OS MAIAS
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d’aquella edade ainda dormia no chôco com as criadas, nunca o lavavam para o não constiparem, andava couraçado de rolos de flanellas! Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, paginas inteiras do Cathecismo de Perseverança. Elle por curiosidade um dia abrira este livreco e vira lá, «que o sol é que anda em volta da terra (como antes de Galileu), e que Nosso Senhor todas as manhãs dá as ordens ao sol, para onde ha d’ir e onde ha de parar, etc., etc.» E assim lhe estavam arranjando uma almasinha de bacharel...

Villaça teve outra risadinha silenciosa. Depois, como subitamente decidido, ergueu-se, fez estalar os dedos, disse estas palavras:

— ­V. Ex.ª sabe que appareceu a Monforte?

Affonso, sem mover a cabeça, reclinado para as costas da poltrona, perguntou tranquillamente, envolvido no fumo do cachimbo:

— ­Em Lisboa?

— ­Não senhor, em Paris. Viu-a lá o Alencar, esse rapaz que escreve, e que era muito de Arroios... Esteve até em casa d’ella.

E ficaram calados. Havia annos que entre elles se não pronunciara o nome de Maria Monforte. Ao principio, quando se retirara para Santa Olavia, a preoccupação ardente de Affonso da Maia fôra tirar-lhe a filha que ella levara. Mas a esse tempo ninguem sabia onde Maria se refugiara com o seu principe: nem pela influencia das legações, nem pagando regiamente a policia secreta de Paris, de Londres,