238
OS MAIAS

allumiando o zinco humido do balcão, garrafas nas prateleiras, e o vulto triste da patroa com um lenço amarrado nos queixos. Alencar parecia intimo no estabelecimento: apenas soube que a sr.ª Candida estava com dôr de dentes, aconselhou logo remedios, familiar, descido das nuvens romanticas, com os cotovellos sobre o balcão. E quando Carlos quiz pagar a canna branca zangou-se, bateu a sua placa de dois tostões sobre o zinco polido, exclamou, com nobreza:

— ­Eu é que faço a honra da bodega, meu Carlos! Nos palacios os outros pagarão... Cá na taberna pago eu!

Á porta tomou o braço de Carlos. Depois d’alguns passos lentos no silencio da rua, parou de novo, e murmurou n’uma voz vaga, contemplativa, como repassada da vasta solemnidade da noite:

— ­Aquella Rachel Cohen é divinamente bella, menino! Tu conhecel’a?

— ­De vista.

— ­Não te faz lembrar uma mulher da Biblia? Não digo lá uma d’essas viragos, uma Judith, uma Dalila... Mas um d’esses lyrios poeticos da Biblia... É seraphica!

Era agora a paixão platonica do Alencar, a sua dama, a sua Beatriz...

— ­Tu viste ha tempos, no Diario Nacional, os versos que eu lhe fiz?

«Abril chegou! Sê minha»
Dizia o vento á rosa.