— Esteve ahi, mas deitou a correr, para ir arranjar uma commenda para o Eusebiosinho — disse Carlos, abrindo a carta.
E teve uma surpreza, vendo no papel — que cheirava a verbena como a condessa de Gouvarinho — um convite do conde para jantar no sabbado seguinte, feito em termos de sympathia tão escolhidos que eram quasi poeticos; tinha mesmo uma phrase sobre a amisade, fallava dos atomos em gancho de Descartes. Carlos desatou a rir, contou ao avô que era um par do reino que o convidava a jantar, citando Descartes...
— São capazes de tudo, murmurou o velho.
E dando um olhar risonho, aos manuscriptos espalhados sobre a banca:
— Então, aqui, trabalha-se, hein?
Carlos encolheu os hombros:
— Se é que se póde chamar a isto trabalhar... Olhe ahi para o chão. Veja esses destroços... Em quanto se trata de tomar notas, colligir documentos, reunir materiaes, bem, lá vou indo. Mas quando se trata de pôr as idéas, a observação, n’uma fórma de gosto e de symetria, dar-lhe côr, dar-lhe relevo, então... Então foi-se!
— Preoccupação peninsular, filho, disse Affonso sentando-se ao pé da mesa, com o seu chapéo desabado na mão. Desembaraça-te d’ella. É o que eu dizia n’outro dia ao Craft, e elle concordava... O portuguez nunca póde ser homem de idéas, por causa da paixão da fórma. A sua mania é fazer bellas phrases vêr-lhes o brilho, sentir-lhes a musica. Se fôr necessario falsear