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OS MAIAS

Damaso, fechando a janella com um esforço sobre o feixo perro. Deixar assim tudo aberto! Jesus, que gente!

— ­Este cavalheiro é bonapartista, disse Carlos vendo sobre a meza os numeros do Pays.

— ­Isso, temos questões terriveis! exclamou o Damaso. E eu enterro-o sempre... É bom rapaz, mas tem pouco fundo.

Melanie voltou pedindo a Monsieur le Docteur para entrar um instante no gabinete de toilette. E ahi, depois de apanhar uma toalha cahida, de dardejar a Carlos outro olharsinho petulante, disse que Miss Sarah vinha immediatamente, e retirou-se na ponta dos sapatos. Fóra, na sala, ergueu-se logo a voz do Damaso, fallando a Melanie de sa responsabilité, et que il etait très affligé.

Carlos ficou só, na intimidade d’aquelle gabinete de toilette, que n’essa manhã ainda não fôra arrumado. Duas malas, pertencentes de certo a Madame, enormes, magnificas, com fecharias e cantos de aço polido, estavam abertas: d’uma trasbordava uma cauda rica, de seda forte côr de vinho: e na outra era um delicado alvejar de roupa branca, todo um luxo secreto e raro de rendas e baptistes, d’um brilho de neve, macio pelo uso e cheirando bem. Sobre uma cadeira alastrava-se um monte de meias de seda, de todos os tons, unidas, bordadas, abertas em renda e tão leves, que uma aragem as faria voar; e, no chão corria uma fila de sapatinhos de verniz, todos do mesmo estylo, longos, com o tacão baixo e grandes