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Monteiro Lobato

— Isto foi, — fez elle recordando-se — deve fazer sessenta annos, muito antes da guerra do Paraguay. Eu era um moleque novo e trabalhava aqui dentro, no terreiro. Via tudo o que se passava. À mucama, uma vez que sinházinha Izabel veiu da côrte passar as ferias na roça, protegeu o namoro della com o portuguezinho, e foi então...

A marqueza onde dormia Jonas estremeceu. Olhei. Estava elle sentado, presa de convulsões. Os olhos, exorbitantes, fixavam-se nalguma coisa invisivel para mim. Suas mãos crispadas unhavam a palinha rota. Agarrei-o, sacudi-o.

— Jonas, Jonas, que é isso ?

Olhou-me sem ver, com a retina morta, num ar de desvario.

— Jonas, fala !

Tenton murmurar uma palavra. Seus labios tremeram, na tentativa de articular um nome. Por fim, enuncion-o, arquejante :

— Izabel...

Mas aquella voz não era mais a voz do Jonas. Era uma voz desconhecida. Tive a confirmação plena de que um “eu” alheio lhes tomara de assalto o corpo vazio. E falava por sua bocca e pensava com o seu cerebro. Não era Jonas, positivamente, quem estava alli. Era um “outro”!...

Tio Bento, ao pé de mim, olhava assombrado para aquillo sem comprehender cousa nenhuma e eu num estado de superexcitação horrorosa senti-me à beira do medo panico. Não fossem os trovões echoantes e o ululo da ventania nas casua-