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Monteiro Lobato
VIII

Pela madrugada começou Jonas a falar sozinho, como quem se recorda. Mas não era o meu Jonas quem falava — era o “outro”,

Que scena...

Tenho até agora gravadas a buril no cerebro todas as palavras dessa mysteriosa confidencia proferida pelo incubo no silencio das trevas profundas. Mil annos que viva nunca se me apagara dos ouvidos o resoar macabro daquella voz de mysterio. Não reproduzo suas palavras da maneira por que as enunciou. Seria impossivel sobre nocivo á comprehensão de quem lê. O “outro” falava ao geito de quem pensa em voz alta, como a recordar. Linguagem tachygraphica, ponho-a aqui traduzida em lingua corrente.

IX

«Meu nome era Fernão. Filho de paes incoguitos quando me conheci por gente rolava no mar da vida como rolha à tona das vagas. Ao léo, solto nos vaes-vens da miseria, sem carinhos de familia, sem amigos, sem ponto de apoio no mundo.

Era no Reino, na Póvoa do Varzim; e do Brasil, a boa colonia preluzida em todas as imaginações como o El-dorado, ouvia sempre contar maravilhas aos marinheiros de torna-viagem.

Fascinado, deliberei emigrar.