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fazia horror. Ha muitas vezes nas gargantas graniticas do oceano uma estranha imagem permanente do naufragio. A garganta das rochas Douvres tinha a sua, que era assustadora. Os oxydos da rocha davam-lhes aqui e alli umas vermelhidões imitando placas de sangue coalhado. Era uma especie de transudação sangrenta de um matadouro. Havia um ar de açougue naquelles parceis. A rude pedra marinha, diversamente colorida, aqui pela decomposição dos amalgamas metalicos misturados á rocha, alli pelo bolor, ostentava vermelhidões hediondas, esverdeamentos suspeitos, despertando uma idéa de morte e de exterminio. Acreditava-se vêr uma parede ainda não enxuta do quarto de um assassinato. Dissera-se que eram aquelles os vestigios de um despedaçamento de homens; a rocha ingreme tinha um cunho de agonias accumuladas. Em certos lugares a carnagem parecia escorrer ainda, a muralha estava molhada e parecia impossivel apoiar o dedo sem tiral-o sangrento. Por toda a parte apparecia uma ferrugem de morticinio. Ao pé do duplo declivio paralello, esparso á flôr d’agua ou debaixo da vaga, ou a secco nas excavações, monstruosos seixos redondos, uns escarlates, outros negros ou roxos, tinham semelhanças de visceras; acreditava-se vêr pulmões frescos ou figados putridos. Dissera-se que alli se tinham esvasiado ventres de gigantes. Longos fios vermelhos, que se poderiam tomar por distillações funebres, riscavam o granito de alto a baixo.

Esses aspectos são frequentes nas cavernas do mar.