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realidade cheia de impossivel. Olhava-se isto, tocava-se, presenciava-se; mas era difficil crer.

Era luz aquillo que jorrava daquella janella debaixo d’agua? Era agua aquillo que tremia naquella bacia obscura? Aquelles cimbrios e porticos não eram nuvem celeste imitando uma caverna? Que pedra era aquella que se pisava? Aquelle apoio não ia desconjuntar-se e tornar-se fumo? Que joalheria de conchas era aquella que se entrevia? Que distancia havia dalli á vida, á terra, aos homens? Que encanto era aquelle misturado áquellas trevas? Commoção inaudita, quasi sagrada, á qual misturava-se a doce inquietação das hervas no fundo d’agua.

Na extremidade da cava, que era oblonga, debaixo de uma archivolta cyclopica singularmente correcta, em um buraco quasi indistinto, especie de antro no antro, especie de tabernaculo no sanctuario, atraz de uma toalha de luz verde, interposta como um véo de templo, descobria-se fora d’agua uma pedra de angulos cortados em quadro com uma parecença de altar. A agua circumdava essa pedra. Parecia que uma deusa tinha descido d’alli. Era impossivel deixar de pensar, debaixo d’aquella crypta, em cima daquelle altar, em alguma nueza celeste eternamente pensativa, que a entrada de um homem tinha feito fugir. Era difficil conceber aquella celula augusta sem uma visão dentro della; a apparição, evocada pelo devaneio, recompunha-se por si; um rorejar de casta luz sobre espaduas apenas entrevistas, uma fronte banhada de alvores, um oval de rosto olympico, uns mysteriosos seios arredondados, uns braços pudicos, uma coma esparra em uma aurora, uns