Perigrinaçoẽs de

dos por iſſo muytos louuores, & os nouos hoſpedes consolamos, & animamos fazẽdolhe aq̃llas chriſtãs lembrãças q̃ a noſſa pobre capacidade então nos enſinou. E tambem partimos cõ elles dos veſtidos que tinhamos, cõ q̃ elles ficarão algum tanto repairados naquella falta, & deitandoos nas camas em q̃ dormiamos, lhes fizemos os remedios que nos pareceo q̃ lhes poderião aproueitar para repouſarẽ, porque elles, pareee que por não dormirem auia tanto tempo, vinhão tão aruoados das cabeças que cahião no chão com hũs eſtremecimientos de maneyra que por hũa grande hora não tornauão em ſy. Daquy deſta paragem nos fomos demandar a barrã de Pão, onde chegamos quali à meya noite que ſurgimos na boca da barra defronte de hũa pouoação pequena que ſe dizia Campalarau, & como a menham foy clara, nos fomos a remo pelo rio acima ate a cidade, q̃ ſeria daly pouco mais de hũa legoa, onde achamos o Tomé Lobo, q̃, como diſſe, ahy reſidia por feitor do Capitão de Malaca, a quẽ entreguey a fazenda q̃ leuaua. E neſte dia nos fallecerão tres Portugueſes dos quatorze q̃ achamos perdidos, hum dos quais foy o Fernão Gil Porcalho Capitão do jũco, & cinco moços Chriſtaõs, os quais todos lãçamos de noite ao mar, cõ penedos atados nos peis & nos peſcoços paraque ſe foſſem ao fundo, porq̃ na cidade nolos não quiſerão deixar enterrar, cõ quãto Tomé Lobo lhe daua por iſſo quarenta cruzados, dãdo por razão q̃ ficaria a terra maldita, & incapaz de poder criar couſa algũa, por quãto aquelles defũtos não hião lauados do muyto porco q̃ tinhão comido, q̃ era o mais graue &inorme peccado q̃ quãtos na vida ſe podião imaginar: aos outros deſtes perdidos q̃ ficarão viuos, agaſalhou o Tomé Lobo, & os proueo a todos muyto abaſtadamẽte de tudo o q̃ lhes foy neceſſario atè cõualecerẽ, & ſe irẽ para Malaca. Daly a algũs dias querẽdo eu ſeguir minha viagẽ para onde leuaua determinado, q̃ era atè Patane, o Tomè Lobo mo não conſintio, pedindome muyto q̃ o não fizeſſe, porq̃ me affirmaua que ſe não auia por ſeguro naquella terra, por lhe dizerem que hum Tuão Xerrafaõ, homem muyto principal nella, tinha jurado de lhe pór o fogo à caſa, para o queimar dentro cõ quanta fazenda nella eſtiueſſe, por dizer que em Malaca lhe tomara hum feitor do Capitão cinco mil cruzados em beijoim, & ſeda, & aguila, a muyto menos preço do que valia, & lhos pagara em roupa podre a como quiſera, pelo q̃ dos cinco mil cruzados de emprego, q̃ em Malaca valião mais de dez mil, a fora o retorno de boas fazendas q̃ de lá pudera trazer em q̃ mõtaria quaſi outro tanto de ganho, não tirara mais q̃ ſòs ſetecẽtos cruzados. E q̃ ja por duas vezes o tinhão tentado com arroydo feytiço, ſó a fim de elle ſayr fora, & o matarem na briga, pelo qual ſendo caſo q̃ ſocedeſſe algũa couſa daquellas de q̃ ſe temia, não ſeria mao acharme eu aly para ſaluar a fazenda que aly tinha,

porque