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nuntius antiquus

Belo Horizonte, v. X, n. 2, jul.-dez. 2014
ISSN: 2179-7064 (impresso) - 1983-3636 (online)

Como uma rocha de Ánu é sua poderosa força.*

[138] Pega o caminho, para o coração de Úruk volta a face,*
---- homem forte,*
[140] Vai, filho, contigo leva a meretriz Shámhat,*
---- como um forte.
[142] Quando os bichos se aproximem do açude,


[Verso 137] Verso idêntico ao 121, que se referia a Enkídu. Neste caso, o que dele se lê é somente a última parte: du-n]u-na e-mu-qa-a-šu, isto é, “sua poderosa força”. Que a mesma expressão seja aplicada tanto a Enkídu quanto a Gilgámesh reforça a paridade entre os dois.

[Verso 138] Este verso é reconstituído com base no v. 148 abaixo, em que o narrador conta como se realizou o nele ordenado. A expressão ina libbi urukk tem o sentido comum de “a Úruk” ou “ao interior de Úruk”. Optei, todavia, por uma tradução literal (“para o coração de Úruk”), a fim de não perder o belo uso de libbu(m), isto é, “coração”, num torneio bastante típico das línguas semíticas.

[Verso 139] Só se lê ša emuq LÚ, literalmente “força de homem”; George, 2003, p. 6, reconstitui assim: “não confies na força de um homem”.

[Versos 140-145] Estes versos são reconstituídos a partir dos v. 162-166 (em que não se repete o v. 141, apenas fragmentariamente conservado).

[Verso 140] Shámhat é uma personagem-chave no relato, como se verá a seguir, pois a ela compete humanizar Enkídu, tanto por meio do contato sexual, quanto pelos ensinamentos relativos à vida civilizada. Não tem razão Bailey, 1970, p. 140, quando afirma que se trata de personagem anônima e, portanto, mal delineada, tendo em vista que šamhatum significa “prostituta” (trata-se de adjetivo com o sentido de “voluptuoso”, termo derivado de šamhu(m), “luxuriante”, “viçoso”, quando aplicado a vegetação e pessoas, do verbo šamāhu(m), “crescer”, “florescer”, “atingir uma extraordinária beleza e estatura”). Que Shámhat não seja um nome próprio constitui um entendimento outrora comum: assim SGG, p. 36-38, o traduz como “moça”. Ora, nos versos 162 e 167, a partir dos quais este é reconstituído, lê-se harimtu fšamhat, o primeiro termo tendo já o significado de “prostituta do templo” (derivado de harāmu, “separar”, no sentido de que se trata de mulheres que viviam isoladas num recinto determinado do templo), não sendo razoável supor que o segundo signifique a mesma coisa, em vez de tratar-se de um nome próprio que evidentemente joga com os sentidos derivados de šamāhu(m), apontando para o viço e a voluptuosidade da mulher, considerada, conforme George, como “a

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