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BRANDÃO, Jacyntho Lins. Sîn-lēqi-unninni..., p. 125-160

uma parte que efetivamente integra o trabalho (por isso insisto: não foram escritos como notas de pé de página, mas como comentários de pleno direito), de tal modo que eu poderia definir o que se publica como uma “tradução comentada”. Essa definição tanto orientou minha maneira de traduzir, quanto a própria apresentação do texto. No meu modo de entender, tradução comentada é aquela que termina por deixar expostas as dificuldades enfrentadas pelo tradutor, tanto no que diz respeito à decifração do texto, quanto às opções assumidas ao vertê-lo, com base em critérios de relevância. Isso, naturalmente, supõe entrar em diálogo com a fortuna crítica, bem como com as soluções encontradas por outros tradutores, o que tem como consequência abrir a possibilidade de expansão do diálogo com o leitor.

Por fim, dois alertas aos leitores se fazem necessários: a) a fim de deixar marcadas de um modo mais claro as sequências da narrativa, acrescentei títulos às mesmas (títulos que naturalmente não se encontram no original); b) com relação aos nomes próprios que aparecem no texto, acentuei a sílaba que, de acordo com o que se sabe relativamente à língua da época em que o poema foi escrito, deveria ser a tônica, assim, Gilgámesh, Enkídu, mas fiz isso considerando as normas de acentuação do português, o que faz com que Ninurta, por exemplo, sendo um paroxítono terminado em -a, não necessite de acento algum.

Sîn-lēqi-unninni*
ELE O ABISMO VIU*
(Série de Gilgámesh)*

COMENTÁRIOS

[Autor] A atribuição do texto a Sin-léqi-unnínni (Sîn-lēqi-unninni) encontra-se em catálogo redigido no primeiro terço do primeiro milênio a.C. e achado em Nínive, no qual se lê: “Série de Gilgámesh (iškar Gilgāmeš): da boca (ša pî) de Sîn-lēqi-unninni, [sacerdote-exorcista]”. A última qualificação é de leitura duvidosa, já que depende de conjetura, tendo sido proposto que se lesse, em vez de “exorcista”, “mago” ou “adivinho”.

A expressão “da boca de...” é um modo de indicar aquele a quem se deve a versão em causa, equivalendo a “segundo...” Mesmo que a noção de autor não corresponda exatamente à nossa, admite-se que Sin-léqi-unnínni tenha composto a versão clássica do poema por volta dos séculos XII-XI antes de nossa era, remanejando relatos anteriores. Parece que é a ele que se deve o tratamento grandioso da saga de Gilgámesh, centrado na questão da mortalidade do homem (cf. Lambert, 1962, p. 28, nota 74; SEG, p. 58-59).


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