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nuntius antiquus

Belo Horizonte, v. X, n. 2, jul.-dez. 2014
ISSN: 2179-7064 (impresso) - 1983-3636 (online)

TABUINHA 1
Proêmio

[1] Ele o abismo viu, o fundamento da terra,*
Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo,*


Entretanto, note-se que Sin-léqi-unnínni é reivindicado como ancestral por muitos escribas de Úruk, ou seja, trata-se do epônimo de toda uma categoria de intelectuais, num processo semelhante ao que se dá com os Homeridas e Homero, na Grécia (cf. Spar e Lambert, 2005, p. XVII; Lambert, 1957, p. 13).

[Título] É usual na tradição médio-oriental que as obras sejam conhecidas a partir de suas primeiras palavras, como, neste caso: ša naqba imuru (literalmente, “aquele que o abismo viu”).

[Série] Série de Gilgámesh (iškar Gilgāmeš) é como era também conhecida, nos catálogos das bibliotecas, a sucessão de onze ou doze tabuinhas do poema. O termo iškaru(m) apresenta esse uso especializado, como em iškar Etana (série de Etana), iškar mašmaššūti (série de encantamentos) etc.

[Versos 1-62] A parte inicial do poema constitui uma espécie de hino dedicado a enaltecer Gilgámesh. Parece que Sîn-lēqi-unninni incorporou a ela a abertura da versão babilônica antiga, intitulada “Proeminente entre os reis” (šutur eli šarri), expressão que ocorre no v. 29. Assim, pode-se considerar que o proêmio divide-se em duas partes: a primeira louva os trabalhos (no sentido de feitos e de sofrimentos) do herói (v. 1-28); a segunda concentra-se em sua origem divina, seu talhe portentoso e sua beleza (v. 29-62).

[Verso 1] As primeiras palavras do poema, ša naqba imuru, poderiam ser vertidas de duas formas: “o que tudo viu” e “o que o abismo viu”. O termo naqbu pode ter dois sentidos, a saber: a) uma fonte ou, de modo especial, o abismo subterrâneo de águas que se acredita que alimenta as fontes, ou seja, o reino cósmico de Ea conhecido como Apsû; b) em uso poético, uma totalidade (cf. CAD, s.v.; GBGE, p. 444-445). Minha opção pela segunda alternativa leva em conta as razões apresentadas por Silva Castillo (1998, p. 219-221 e 2000).

Para a tradução do segundo hemistíquio (išdi mati) como “o fundamento da terra”, baseio-me também em Silva Castillo, 2001.

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