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BRANDÃO, Jacyntho Lins. Sîn-lēqi-unninni..., p. 125-160

[3] Gilgámesh o abismo viu, o fundamento da terra,
Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo.
[5] Ele - - - - da mesma maneira,
De todo saber, tudo aprendeu,*
[7] O que é secreto ele viu, e o coberto descobriu,
Trouxe isto e ensinou, o que antes do dilúvio era.*
[9] De distante caminho volveu, cansado e pacificado,*
Numa estela pôs então o seu labor por inteiro.*


[Verso 6] A expressão do primeiro hemistíquio é naphar nēmeqi, literalmente “a totalidade do saber”, nēmequ(m) significando “sabedoria”, “sagacidade”, “conhecimento civilizado”, “habilidade”. Trata-se, portanto, de uma sabedoria prática, decorrente dos próprios feitos heroicos.

[Verso 8] A tradição relativa ao dilúvio (abūbum) é bastante característica da Mesopotâmia (ver d’Agostino, 2007, p. 169-185). Na produção acádia, o relato clássico do cataclismo encontra-se no poema antropogônico intitulado Atra-hasīs (Supersábio), cujo manuscrito mais antigo é assinado pelo copista Kasap-Aya, que executou o trabalho sob o reinado de Amim-sadûqa (1646-1626 a.C.), cf. Bottéro e Kramer, 1993, p. 528-529. Parece que Sin-léqi-unnínni se valeu desse texto na tabuinha XI, pondo o relato na boca de Uta-napíshti (Ūta-napišti). Todavia, Silva Castillo, 2000, p. 14, considera o episódio do dilúvio uma “interpolação tardia”.

[Verso 9] A referência é à grande viagem empreendida por Gilgámesh após a morte de seu companheiro de feitos heroicos, Enkídu. A pergunta que imprime profundidade à saga do herói na versão de Sin-léqi-unninni diz respeito ao impasse diante da morte, razão pela qual o herói empreende o longo percurso por espaços não-humanos, em busca da imortalidade.

[Verso 10] Era costume dos reis registrar numa estela (narû) algum acontecimento importante de seu reinado, visando a torná-lo público. Um narû pode ter ainda o valor de documento jurídico, pode marcar uma fronteira ou ser a “pedra fundamental” (feita realmente de pedra ou então de prata, ouro ou bronze) de um templo, enterrada nas fundações ou posta em seu interior (cf. SEG, p. 109). Considerando-se o que se diz nos v. 24-28, que marcam o fim da introdução ao poema, parece que se quer dar a entender que se trata da última hipótese. Cumpre, todavia, recordar que, longe de pretender um valor documental, a referência à inscrição constitui um recurso poético que provavelmente deveria ser percebido enquanto tal pelo leitor (ou ouvinte) do poema (cf. Oppenheim, 1977, p. 258, apud Dickson, 2009, p. 27), ao qual o texto passa a dirigir-se explicitamente dois versos adiante.

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