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nuntius antiquus

Belo Horizonte, v. X, n. 2, jul.-dez. 2014
ISSN: 2179-7064 (impresso) - 1983-3636 (online)

[11] Fez a muralha de Úruk, o redil”
E o sagrado Eanna, tesouro purificado.”

[13] Vê sua base: é como um fio de lá,”
Olha seus parapeitos que ninguém igualará.


[Verso 11] O epíteto tradicional de Úruk é supūru(m), ou seja, “curral”, “redil”. A cidade era rodeada por uma muralha circular de cerca de nove quilômetros de extensão, que parece datar da época pré-dinástica. O interior nunca foi inteiramente ocupado com edificações, o que tornava possível que nele existissem currais para o gado, usados especialmente quando se tratava de protegê-lo de ataques externos (cf 22-23). A muralha, conforme o poema, era obra de Gilgámesh.

[Verso 12] O e-amna, literalmente “casa de Ánu” (Ánu é a divindade que se identifica como o Céu), compreendia o templo desse deus e o de Ishtar, além de outros, possuindo uma zigqurat (torre escalonada) típica dos santuários mesopotâmicos.

[Versos 13-28] Inicia aqui a sequência, que se estende até o v. 28, dominada pelos imperativos dirigidos ao leitor (ou ouvinte) do poema. São dois os elementos principais: aquele com o qual ela se abre, os muros de Úruk, obra de Gilgámesh (v. 13-23); e a tabuinha de lápis-lazúli em que o próprio Gilgámesh escreveu os seus trabalhos, com que se encerra (v. 24-28). Em ambos os casos trata-se de grandiosas realizações, devendo ser salientado que os muros tiveram seus fundamentos lançados pelos sete heróis fundadores (os apkallū referidos no v. 21).

Conforme Dickson, 2009, p. 25, “as ações que o prólogo me convida a fazer são estruturadas por uma espécie de imitatio implícita (...). Exatamente como Gilgâmesh “viu o abismo”, sou convidado a “ver a muralha” de Úruk e “olhar seu parapeito” (...), “examinar os alicerces, inspecionar a alvenaria”; do mesmo modo, “a inscrição feita por Gilgámesh de seus trabalhos ecoa literalmente em minha recitação do texto gravado na tabuinha retirada do cofre de cedro” (cf. v. 27-28). Em suma, trata-se de um sofisticado recurso poético que tem como efeito engajar o recebedor no louvor de Gilgámesh, fazendo com que assuma o papel de testemunha.

Digno de nota é ainda que os. 13-23 se repetem na tabuinha 11, o convite a que se examine a muralha de Úruk sendo dirigido pelo próprio Gilgámesh ao barqueiro Ur-shánabi (Ur-Sanabi, v. 323-328). Trata-se da conclusão da volta do herói de sua longa viagem em busca da imortalidade (e também da conclusão do poema, a tabuinha 12 podendo ser um acréscimo posterior). É, portanto, o próprio convite do protagonista a uma das personagens do poema que o narrador dirige neste

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