E quando assim pensava–eis que, de repente, a tromba do monstro se abre com lentidão, e aparece, sangrenta e profunda, a sua imensa goela. Decerto Deus determinara que aquele fosse o seu fim sobre a Terra. E ele, com arrebatada gratidão, o aceitava, pois que seria assim mais portentoso que o de todos os confessores nos martírios! Ah! não estarem ali multidões para testemunhar a heroicidade da sua fé, e a sua confiança no Senhor!
Encarou, erguendo bem a cabeça (pois que decerto os anjos o contemplavam) aquela goela, horrenda mais que todos os horrores, e que esperava escancarada para o tragar. Mais vasta que um antro, com dois renques de presas, de onde gotejava um sangue espesso, a sua profundidade desaparecia sob uma névoa e um vapor cor de sangue. E não se movia, com a indiferença de um abismo natural, certa de o devorar. Então Onofre alargou os braços, entoou furiosamente um cântico alegre, e marchou para o monstro, e para a morte. Subitamente tudo desapareceu, como uma sombra numa parede.
Imóvel, à beira do eirado, Onofre esfregava os olhos, espantado, como quem emerge de um sonho sinistro. E sentia um cansaço tão pesado, que ali mesmo se deitou sobre as lajes, e todo o seu ser se dissolveu num sono benéfico e calmo. A madrugada que o despertou era a mais fresca, e rósea, e doce, que ele experimentara