como quem numa feira se prepara a gozar as artes divertidas dos mágicos.
E a grande lição recomeçava, ressoante e facunda. Cada dia surgia algum doutor novo, com um dogma novo. E sempre o riso do Solitário lhes respondia! Sempre a confissão da sua fé, cândida e simples, no Padre, no Filho e no Espírito Santo. Até que uma noite, em que a douta contenda se alongara, e a Lua já desmaiava – como Onofre, fatigado, apesar de terem sido mais profundas e sublimes as concepções dos doutores, começasse a bocejar, cerrando as pálpebras – um que tinha uma mitra bicórnea, onde lampejavam pedrarias, ergueu o braço, clamou subitamente:
– Deixai esse bruto!... Vinde!
E num grande silêncio, o bando dos doutores, todos hirtos e juntos, elevaram-se no ar, e fundiram-se, docemente, na claridade última da Lua. Já Onofre dormia.
Não voltaram: – mas foi então, no Solitário, como uma saudade daqueles homens, e daquelas vozes, que cada noite povoavam a sua solidão. E mais deserto lhe pareceu o Deserto. E às horas em que eles costumavam aparecer, como sombras que se desprendiam da sombra, e ele, depois do labor do longo dia, se encruzava no chão, preparado a gozar, como em recreio, as suas arengas sonoras como músicas de batalha – subia às penedias, aguçando os