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repousar no vasto leito de carvalho, que tinha três varas de largo.

Assim a existência corria, igual e serena, no solar de Gonfalim. Às vezes algum rico-homem dos arredores, parente de D. Rui, vinha, com os seus cães e escudeiros, desmontar no pátio tranquilo. D. Tareja corria ao portal, trazendo uma toalha bordada, um jarro de água, que derramava sobre as mãos do hóspede. Atirava-se à pressa lenha na lareira, para assar, nos espetos de azinheiro, um cabrito, ou um leitão: das arcas saía um tapete do Oriente, que se estendia sobre as lajes do quarto de honra, onde as maçãs, apilhadas sobre os armários, davam um cheiro doce e acre: as tochas de cera ardiam na sala até tarde – e os Senhores conversavam de parentes, de colheitas, de algum novo milagre, das honras devassadas pelos corregedores de el-rei, e dos maus tempos que corriam para os homens fidalgos. Outras vezes eram menestréis errantes que passavam, pediam agasalho – e depois da ceia, tangendo o violino ou a frauta, cantavam as cantigas novas, diziam histórias maravilhosas de paladinos de França – ou repetiam as histórias que tinham ouvido, nas estalagens, ou nas lareiras de outros solares, sobre as guerras que o Senhor Rei fazia aos mouros, para além do Tejo. Mas o que mais agradava a D. Tareja era a passagem dos monges mendicantes: esses sabiam os milagres novos, os