AVendo ſòs vinte & ſeis dias que eu era chegado a Malaca com eſta repoſta do Rey dos Batas de que tenho tratado, ſendo ainda neſte tempo dõ Eſteuão da Gama Capitão da ſortaleza, chegou a ella hum Embaixador do Rey de Aarù, que he neſta ilha Çamatra, & o negocio a que vinha, era pedir ſocorro de gente, & algũas municoẽs de pilouros & poluora, pera ſe deſender de hũa groſſa frota q̃ o Rey do Achem mandaua ſobre elle para lhe tomar o reyno, a fim de ficar mais noſſo vezinho, & dahy cõtinuar com ſuas armadas ſobre Malaca, por lhe ſerem chegados nouamente trezentos Turcos do eſtreyto de Meca. O que viſto por Pero de Faria, & quão importante negocio eſte era ao ſeruiço del Rey,& a ſegurança daquella fortaleza, deu cõta diſſo a dom Eſteuão, que ainda deſpois diſto foy Capitão mes & meyo, o qual ſe lhe eſcuſou de tratar deſte ſocorro, com dizer que ja acabaua o ſeu tempo, & que a elle pertencia iſſo mais, pois ficaua na terra, & auia de paſſar por eſſe trabalho de que ſe arreceaua. A que Pero de Faria reſpondeo, que lhe deſſe elle comiſſaõ para mandar nos almazẽs, & que logo proueria no ſocorro que entẽdia ſer neceſſario. E por abreuiar rezoẽs não contarey por extenſo o que ſobre iſto ambos paſſaraõ, ſomente direy que o Embaixador foy excluydo de ambos, de hum com dizer que ja acabaua, & do outro que ainda não entraua. E aſsi ſe partio ſem leuar couſa nenhũa do que vinha pedir. E magoado deſta tamanha ſem rezão que lhe parecia que com ſeu Rey ſe vſara, hũa menham querendoſe embarcar, eſtando eſtes Capitaẽs ambos à porta da fortaleza, lhes diſſe publicamente quaſi chorando: o Deos q̃ viue reynando por poderio & mageſtade ſuprema no mais alto Ceo de todos os Ceos tomo, com ſuſpiros arrancados do interior da minha alma, por Iuiz neſte caſo, da rezão & juſtiça que tenho em fazer a voſſas merces ambos ſenhores Capitaẽs eſte requerimento em nome do meu Rey, vaſſallo leal por menagem jurada, que ſeus antepaſſados fizerão
ainda não entra, entendendo ambos que tanta obrigaçaõ tem para o fazer hum como o outro. Acabado eſte requerimento, que por então lhe aproueitou bem pouco, tomou duas pedras do chão, & batendo por cerimonia com ellas ambas nũa bombarda, diſſe quaſi chorando. O Senhor q̃ nos criou nos defenderá. E com iſto ſe foy embarcar, & ſe partio logo, & bem deſcontente pelo mao recado que leuaua. Auendo ja cinco dias que era partido não faltou quem diſſe a Pero de Faria q̃ ſe murmuraua muyto por fora do pouco reſpeito que aſfi elle como dom Eſteuão tiueraõ a eſte Rey tanto noſſo amigo, & q̃ tantas amizades tinha feiras a aquella fortaleza, por reſpeito da qual lhe tomauão agora a ſeu reyno. Elle então alcançado, ou por ventura corrido deſte deſcuydo, inda que por ſua parte daua algũas deſculpas, o mandou ſocorrer com tres quintais de poluora de bombarda, & duas arrobas da de eſpingarda, & cem alcanzias de fogo, & cem pilouros de berço, & cinquenta de Falcão, & doze eſpingardas, & quarenta rocas de pedra, & ſeſſenta murroẽs, & hũa coura de laminas de citim crameſim com crauaçaõ dourada para ſua peſſoa, &outras peças de veſtir, com hũa corja de çaraças, & pannos Malayos para ſua molher & filhas, que he o comum trajo daquella terra. E embarcando tudo iſto em hũa lanchara de remo, me pidio que o quiſeſſe leuar a eſte Rey, porq̃ importaua muyto ao ſeruiço de ſua alteza, & que quando tornaſſe me prometia de me fazer merce, aſsi de ſoldo, como de viagẽ para onde eu quiſeſſe; o que eu por meus peccados aceitey de boa vontade, & digo iſto pelo que adiante ſocedeo. E embatcandome hũa terça feyra pela menham cinco dias de Outubro do anno de 1539. continuey meu caminho até o Domingo ſeguinte q̃ cheguey ao rio de Puneticão, onde eſtà fituada a cidade de Aarù.