SEndo Pero de Faria certificado da vinda da Raynha a mandou receber por Aluaro de Faria ſeu filho, & Capitão mòr do mar, o qual em hũa Galé, & cinco fuſtas, & dous catures, & vinte baloẽs, acompanhado de trezentos homẽs, a fora outra muyta gente da terra a trouxe â fortaleza, na qual ſe lhe ſez hũa nobre ſalua de artilharia q̃ durou por eſpaço de mais de hũa hora. E deſembarcando em terra, deſpois que ſe lhe moſtraraõ algũas couſas que Pero de Faria quiz que ella viſſe por fazerem em noſſo caſo, como foraõ os almazẽs, a ribeira, a armada, a feitoria, a alfandega, a caſa da poluora, & outras couſas que ja para iſſo eſtauão preparadas, ella foy agaſalhada em hũas boas caſas, & a ſua gente, que podião ſer ate ſeiſcentas peſſoas, no campo de Ilher, em cabanas & tendas o milhor que por então ſe pode fazer, & em todo o tempo que ella aquy eſteue, que ſerião quatro ou cinco meſes, cõtinuou ſempre no requerimento que trazia, que era buſcar fauor para vingar a morte de ſeu marido, com razoẽs licitas & baſtantes para ſe lhe não negar o que pedia, no fim do qual tẽpo, entendendo quão pouco lhe podiamos

fazer, & que tudo o noſſo para com ella era hum entretenimento de palauras, de que não via nenhum fruito, determinou de ſe declarar cõ Pero de Faria, & ſaber delle o que determinaua de fazer no que lhe tinlra prometido. E eſperandoo hum Domingo à porta da fortaleza, em tempo que o terreyro eſtaua todo cheyo de gente, & elle ſahia para yr ouuir Miſſa, o foy demandar, & deſpois de ſe fazerem entre ambos as deuidas corteſias lhe diſſe. Nobre & esforçado ſenhor Capitão, peçouos muyto pela realidade da voſſa progenie, que me não cerreis as orelhas em eſte pequeno eſpaço que vos quero fallar, & que olheis que ainda que ſou Moura, & cega por meus peccados no claro conhecimento da voſſa ſanta ley, todauia por ſer molher, & porque ja fuy Raynha, me deueis de ter algum reſpeito, pondo piadoſamente os olhos de homem Chriſtaõ em meu deſemparo. Ao que Pero de Faria parou, & co barrete na mão lhe fez hũa grande corteſia. E eſtãdo ambos calados por hum pequeno eſpaço, a Raynha, deſpois de lazer hum grande acatamento para a porta da Igreija que eſtaua defronte, diſſe cõtra Pero de Faria. Foraõ ſempre tamanhos os deſejos que tiue de vingar a morte del Rey meu marido, q̃ determiney de buſcar todos os meyos que me foſſem poſsiueis para o poder fazer, ja que por minha feminil ſraqueza a fortuna me negou veſtir as armas. E tendo eu para mim que eſte de que primeyro lancey mão, podia ſer o mais certo, fiz mais conta delle que de todos os outros. E confiada na antiga amizade que tenho com voſco, & na grande obrigação que metem eſta fortaleza por tantos reſpeitos quantos vos ſenhor muyto bem ſabeis, me vim agora a ella a pediruos cõ lagrimas, que em nome do ſereniſsimo Rey de Portugal meu ſenhor, cujo ſubdito & leal vaſſallo ſempre foy meu marido, rne quiſeſſeis valer, & ſocorrerme em meu deſemparo, aque em publico me ſoy reſpondido por voſſa boca diante de muytos nobres que então ahy eſtauão, que aſsi o farieis ſem falta nenhũa, & agora no fim deſta promeſſa, tão retificada no tiſouro de voſſa verdade, em vez de ſer, aſsi me dizeis, ou days por eſcuſa que tendes ſobre iſſo eſcrito ao ſenhor Viſorrey, não tendo eu neceſsidade de tanto ſocorro quanto me vòs dizeis que para eſte feito de lâ me pode vir, porque com menos de cem homẽs, & com a minha gente que anda fugida pela terra, eſperando que eu vâ de cà, me atreuo aſsi molher como ſou, a em menos de hum mès tornar a tomar todo o meu ſenhorio, & vingar a morte del Rey meu marido, q̃ he o que aquy mais pretendo que tudo, ajudandome Deos que he poderoſo, da parte do qual vos peço & requeiro por ſeruiço, & honra do ſereniſsimo Rey de Portugal meu ſenhor, emparo & eſcudo de minha orfindade, que pois podeis o façais, & cõ breuidade, porque nella eſtá a mayor importancia de todo eſte negocio

, & com o fazerdes aſsi atalhareis o effeito da tençaõ deſte inimigo, fũdada ſomẽte na deſtruyção deſta fortaleza, como pelos meyos que para iſſo procura, tereys bem entendido; & ſe determinais de me dar eſte ſocorro que peço, eſperarey, & ſe não, deſenganayme, porque tamanho mal me fazeis em me fazerdes eſperar ſem me dardes remedio, pelo tẽpo que niſſo perco, como em me negardes iſto que com tanta efficacia vos tenho pedido, & em ley Chriſtam me deueis, como o ſenhor todo poderoſo, Deos do Ceo & da terra, a quem tomo por Iuiz neſte requerimento, muyto bem ſabe.