Pesquisando/I/O conhecimento científico

O conhecimento científico

O étimo latino scientia (ciência, saber) deu origem a vários cognatos na língua portuguesa: ciente, discente, docente, cientista, científico, cientificar, cientismo. Num sentido amplo, portanto, a palavra ciência diz respeito a qualquer tipo de saber. Por isso, falamos de ciências físicas, biológicas, humanas, etc. Na antiguidade greco-romana não havia muita distinção entre as várias atividades do espírito: era chamado de “sábio” aquele que sabia das coisas. Assim, por exemplo, Aristóteles, além de tratar de filosofia, escreveu obras sobre poética, estética, ética, política, retórica, física, astronomia, zoologia. Mais ainda na Renascença encontramos o homem com um saber enciclopédico. Exemplo luminar é o italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) que, além do artista imortal da pintura, foi também poeta, arquiteto, escultor, engenheiro, cartógrafo, geólogo, botânico, físico, tendo inventado maquinarias que o tornaram precursor da aviação, da hidráulica, da óptica, da acústica.

Num sentido estrito, o termo científico relaciona-se ao estudo da natureza física, visando à compreensão de seus fenômenos, a sua classificação e à dominação dela por parte do homem e em seu benefício, usando métodos rigorosos de investigação. O conhecimento científico pretende suplantar quer o princípio da autoridade, próprio do saber religioso, quer o pensamento abstrato que se serve apenas da razão, peculiar do saber filosófico, na tentativa de alcançar a distinção entre o verdadeiro e o falso por meio de uma comprovação irrefutável. Uma vez observada a repetição de um fenômeno e feita uma rigorosa experimentação, chega-se à formulação de uma lei que não admite contestação. Assim, seriam absolutamente verdadeiros princípios de matemática (a soma é maior do que suas partes), de estatística (o número dos homens casados é exatamente igual ao das mulheres casadas), de geometria (um quadrilátero conserva seus lados sempre iguais, embora aumente de tamanho), de física (pela lei da gravidade, o magnetismo terrestre atrai os corpos para baixo). Assim, credulidade e raciocínio seriam superados pela observação e experimentação.

A história da cultura no Ocidente apresenta grandes nomes de cientistas ainda na era antiga. Citamos os nomes mais famosos: Pitágoras, da ilha grega de Samos (570-496 ?), o grande mestre da Matemática, percebia a presença de números em todos os fenômenos da natureza, até mesmo na música; o siracusano Arquimedes (287-212), matemático e físico, famoso pela exclamação heureca (“encontrei”), quando, ao lavar-se numa banheira, descobriu o princípio fundamental da hidrostática; Plínio o Velho (23-79), naturalista romano, escreveu 37 livros sobre história natural e morreu asfixiado no afã de observar de perto o fenômeno da erupção do Vesúvio. Mas, ressalvando esses e outros casos singulares, a tomada de consciência sobre a importância da atividade científica no tocante ao saber só acontece no início da era moderna, a partir do século XVI, quando o homem sentiu a necessidade de procurar um conhecimento mais objetivo, mais seguro, com maiores garantias de certeza na busca da verdade.

O Renascimento europeu assinala não somente o triunfo das letras e das artes, mas também o despertar do espírito científico que constituirá a base da Revolução Comercial e Industrial, a partir das grandes viagens dos descobrimentos marítimos, que deslocaram o eixo do comércio do Mediterrâneo para o Atlântico. Tudo isso foi possível graças às invenções da bússola, da pólvora, da imprensa, da máquina a vapor e, sobretudo, pela revolução na astronomia com a descoberta do heliocentrismo: não é o Sol a girar ao redor da Terra, conforme rezava o antigo sistema ptolemaico, pois se descobriu que nosso planeta não é uma plataforma chata e imóvel, mas um globo giratório, pequeno componente do imenso sistema solar. Para tanto, contribuíram renomados cientistas: o polonês Copérnico (1473-1543), o primeiro a declarar que a Terra não era o centro do cosmo; o pisano Galileu (1564-1642), que deu importantes contribuições ao sistema copernicano, negando o geocentrismo e demonstrando o movimento da Terra, além de suas numerosas invenções, especialmente no campo da óptica física e geométrica, da termologia, da mecânica dinâmica e estática; o inglês Newton (1642-1727), o descobridor do cálculo diferencial e integral, além de criador de um sistema formal e matemático construído a partir de quatro axiomas, chamado “as Leis de Newton”: o princípio da inércia, da propulsão em linha reta, da ação e reação, da atração universal.

Essas e outras descobertas deram início à luta entre a ciência e a religião, especialmente a católica, que até então se considerara a depositária única e absoluta do saber. Começava a afirmar-se a superioridade da razão, da lógica, da investigação científica, sobre a pseudoverdade dos dogmas baseados nos textos bíblicos. O teatrólogo Bertolt Brecht, na peça A Vida de Galileu, expõe dramaticamente o sofrimento do cientista italiano, condenado à fogueira pelo tribunal da Santa Inquisição por defender a tese do movimento da Terra. Obrigado a retratar-se, para não ser queimado vivo, ao sair do tribunal teria exclamado a famosa frase: “Eppur se muove” (“contudo ela se move). O golpe mortal da ciência contra o judaísmo e o cristianismo se deu com o evento do evolucionismo. Darwin (1809-1882), após uma viagem marítima de cinco anos coletando toneladas de material animal e vegetal, aperfeiçoou a tese lamarquiana da transmissão hereditária de caracteres adquiridos e expôs suas ideias sobre a teoria evolucionista, opondo-se frontalmente à tese criacionista, assim como aparece no livro do Gênese.

Segundo a Bíblia, as espécies orgânicas seriam tantas quantas as criadas por Deus, sem possibilidade de misturar-se. Opostamente, Darwin demonstrou que as espécies não são fixas, derivando-se uma da outra pelo processo de seleção natural. O próprio homem, por meio de uma evolução que durou milhões de anos, encontraria sua remota origem em primatas aparentados com macacos. A publicação de sua obra A Origem das Espécies, em 1859, escandalizou o mundo cultural da época. Colocou-se a questão: quem seria mentiroso o profeta que afirmara ter tido uma revelação divina pela qual o homem teria sido criado diferentemente dos animais, pois nele o Criador teria insuflado o sopro divino que torna a alma imortal; ou Darwin, o cientista que demonstrara a falácia de tal teoria mediante a análise rigorosa dos elementos da natureza? A verdade é que o Criacionismo só pode ser sustentado por um ato de fé, enquanto o Evolucionismo tem fundamentos científicos.

Mais recentemente, sucessivas descobertas científicas intensificaram as perplexidades e as discussões de ordem religiosa e ética: a inseminação artificial, a invenção da dinamite e da bomba atômica, as viagens interplanetárias, a guerra bacteriológica, a fertilização em vidro, o transplante do coração, a pílula contraceptiva e abortiva, a mãe de aluguel, a clonagem de animais. Na verdade, se, de um lado, a ciência não pode sofrer limitações para seu desenvolvimento, de outro lado, ela não deveria ser posta a serviço de objetivos esdrúxulos, nocivos à humanidade. A história demonstra o engano em que caíram os teóricos do Positivismo. A crença de que a ciência, conhecendo as causas determinantes dos fatores hereditários e ambientais, seria capaz de resolver todos os problemas sociais que afligiam a humanidade daquela época, instaurando a felicidade na face da Terra, foi apenas uma ilusão, outro mito.

Não obstante todo o progresso, o século passado sofreu os efeitos dolorosos de duas guerras mundiais e de outros inúmeros conflitos locais; o horror de duas bombas atômicas que mataram e deformaram gente inocente, no Japão; a vergonha da existência de bolsões de miséria absoluta, a exploração do trabalho humano, a prostituição infantil, a injusta distribuição de bens, a corrupção desenfreada no meio político, o fanatismo religioso, a falta de planejamento familiar e populacional. Enquanto a ciência não inventar um antídoto contra a estupidez, a ignorância e o egoísmo individual ou de grupos, todas suas descobertas contribuirão muito pouco para a construção de uma sociedade humana justa e feliz!

Aliás, a própria certeza do conhecimento científico ultimamente está sendo questionada: a mecânica quântica, de Max Planck (1858-1947) e a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein (1879-1955), revelaram a inconsistência da física newtoniana; Sigmund Freud (1859-1939), o pai da psicanálise, ressaltou a força do inconsciente no comportamento ético. Enfim, as chamadas ciências exatas também elas são incapazes de apresentar um conhecimento absolutamente certo e indiscutível, pois todo o saber está sujeito a mudanças no tempo e no espaço. Por exemplo, segundo Popper, afirmar, com base na experiência, que todos os cisnes são brancos, é uma verdade apenas provisória, válida até que em algum lugar e em certo tempo não se encontre um cisne de cor preta!