O conhecimento filosófico
Do grego philo (amante) e sophia (sabedoria), a filosofia tenta suplantar o princípio da autoridade, sustentáculo próprio do saber teológico, pela razão ou pensamento reflexivo. Filósofo, portanto, conforme o sentido etimológico, é o homem que ama o saber num sentido geral, aquele que procura respostas para os interrogativos fundamentais da existência, não por meio da crença numa revelação transcendental, mas mediante o raciocínio lógico. De onde se originou o cosmo? Existe outra vida após a morte? Matéria e espírito são inseparáveis? Além da aparência, existe uma essência das coisas? O que é a consciência, a razão, a verdade? Qual é o fundamento do sentimento ético? A felicidade reside no exercício do livre-arbítrio, satisfazendo os instintos individuais, ou na observância dos preceitos sociais?
Para responder a essas perguntas existenciais o homem exercitou sua inteligência em várias áreas do saber filosófico: a cosmologia, que formula hipóteses para explicar a origem do universo; a lógica, que estuda as regras do raciocínio correto para se chegar a qualquer tipo de conhecimento; a ética, que analisa os conceitos do bem e do mal, do certo e do errado, as normas morais do comportamento humano; a estética, que investiga a essência do belo e suas relações com o útil; a epistemologia ou teoria do conhecimento, que tem como objeto o estudo da natureza da verdade, a confiabilidade do saber, o método correto de investigação.
Através dos tempos, vários pensadores criaram sistemas filosóficos globalizantes, na tentativa de responder de forma coerente a todas essas indagações. Os dois sistemas mais importantes, que constituíram a espinha dorsal do saber filosófico, são o idealismo e o materialismo, que tiveram suas origens respectivamente no pensamento de Platão (427 -347) e de Aristóteles (384-322). Platão, preocupado em resolver o problema da aparência enganosa das coisas e a subjetividade das sensações, pressupõe a existência de um mundo transcendental onde existiriam as formas primeiras, as essências ou as ideias; todos os objetos do mundo da realidade visível e tangível seriam apenas cópias, representações, fantásmatas dos protótipos espirituais.
Aristóteles, contestando seu mestre, não admite a existência de nada fora do mundo da realidade empírica, substituindo o princípio da transcendência pelo da imanência: as ideias das coisas estão nas próprias coisas e não num hipotético mundo sobrenatural, extraterrestre. Segundo o pensamento aristotélico (a que voltaremos no capítulo seguinte, ao estudarmos a questão do método), a mente humana, usando da faculdade da “abstração”, consegue separar o geral do particular e chegar assim à formulação das ideias dos objetos existentes. No aspecto genérico, residiria o ideal. A ideia da árvore está contida na própria árvore, conforme o princípio do ilemorfismo (ilé = matéria e morfé = forma), a conjunção do corporal ao espiritual. A ideia seria apenas a representação mental de uma coisa.
Dessa forma, o uno (o ideal) coexiste com o múltiplo (o real), sendo as ideias imanentes aos objetos sensíveis. Esclarecendo melhor: enquanto para Platão a alma humana é imortal, pois, uma vez expiada a culpa que a obrigou a ficar na prisão do corpo, retorna a seu lugar de origem no mundo das ideias, para Aristóteles a alma morre com o corpo, pois o espírito não existe fora da matéria, sendo ele a “forma” do objeto; a alma e o corpo são, portanto, indivisíveis. Lembramos a bela imagem das duas faces de uma folha de papel, distintas mas não divisíveis, formulada pelo lingüista Saussure para explicar a diferença entre significante e significado.
O idealismo platônico foi retomado, ao longo da história da filosofia ocidental, por vários pensadores e com diferentes conceituações. O idealismo subjetivo, que costuma ser chamado de racionalismo, teve no filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) seu principal cultor, de cujo nome se originou o cartesianismo: todo o conhecimento é um processo mental que vem de dentro para fora, pois existem ideias inatas, como a do eu pensante, a da existência de um ser supremo criador e organizador do universo, a da existência do objeto, a matéria do mundo exterior, oposta ao espírito que a percebe, etc. O idealismo crítico: segundo o filósofo alemão Emanuel Kant (1724-1804), as impressões provocadas pelos sentidos são avaliadas e interpretadas pela faculdade do entendimento, a categoria fundamental do espírito humano. O pensamento kantiano foi retomado pela tríade de patrícios alemães Fichte (1762-1814), Schelling (1775-1854) e Hegel (1770-1831), que chegaram a postular o idealismo absoluto: todo o real é apenas uma ideia, anulando-se assim a distinção entre o conceito e a realidade, entre o interior e exterior, entre o sujeito pensante e o objeto existente. A realidade só existe, só é verdadeira, enquanto pode ser pensada.
O Materialismo (de matéria), Realismo (de res = coisa) ou Positivismo (positivo = concreto) constitui a outra vertente da filosofia no Ocidente, centrada no pensamento aristotélico. Passada a longa fase da Idade Média, durante a qual a filosofia foi considerada apenas uma ancilla, uma serva da Teologia, visto que os sistemas filosóficos formulados por Platão e Aristóteles eram usados com o objetivo principal de explicar os livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento, na tentativa de encontrar uma fundamentação racional para os mistérios e os dogmas da fé cristã, com o advento da Renascença, a partir do século XV, o pensamento reflexivo começou a desvincular-se das crenças religiosas, aproximando-se mais da investigação científica.
O Empirismo britânico (Thomas Hobbes, 1588-1679; John Locke, 1632-1704; George Berkeley, 1685-1753; David Hume, 1711-1776) consagra essa tendência renascentista, retomando o princípio aristotélico de que a experiência sensível é a única fonte de conhecimento, sendo as ideias apenas “abstrações” formadas com base na combinação de dados provenientes da observação ou da sensação. Mas será o Positivismo francês a consumar o divórcio da Filosofia e da Teologia, colocando o pensamento reflexivo a serviço exclusivo das Ciências Naturais. Segundo seu criador, Auguste Comte (1798-1857), a humanidade passou por três etapas.
Na fase teológica ou mítica, o homem tentou compreender os fenômenos da natureza imaginando a intervenção de seres sobrenaturais, por meio da criação de mitos, de dogmas, de doutrinas religiosas: predomina a explicação antropomórfica, pois o homem cria os deuses à sua imagem e semelhança, atribuindo-lhes vícios e virtudes elevados à mais alta potência. Na fase metafísica ou filosófica, essas entidades sobrenaturais são despersonalizadas, tornando-se apenas conceitos, abstrações, ideias: o saber mítico ou religioso é substituído pelo conhecimento racional, pela reflexão sobre as relações que existem entre os fenômenos. Na etapa positiva ou científica, enfim, o conhecimento dá-se pela descoberta das leis imutáveis da natureza. A filosofia, então, deixando de lado qualquer preocupação com problemas transcendentais, assume um papel eminentemente epistemológico: o pensamento reflexivo estará a serviço do progresso científico, ajudando na formulação de métodos eficazes para o conhecimento da verdade.
No mesmo filão do pensamento positivista, com suas raízes no pensamento aristotélico, podemos encaixar outras correntes filosóficas. O Materialismo dialético de outra tríade de filósofos alemães, formada por Feuerbach (1804-1872), Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), mais voltada para o estudo dos conflitos entre as várias classes sociais. O Existencialismo de Kierkegaard (1813-1855), de Nietzsche (1844-1900), de Heidegger (1889-1976), de Sartre (1905-1980): o que importa é a existência, o indivíduo, a situação em que o homem se encontra e não a essência, a transcendência, o absoluto, as normas gerais, pois o conhecimento da verdade, assim como os valores éticos, é sempre algo de subjetivo, um ato da livre escolha do indivíduo, que deve responder a solicitações de determinadas situações existenciais relacionadas com o hic et nunc, o aqui e o agora.