O homo sapiens distingue-se dos outros seres do universo pelo sentimento da descoberta, pela curiosidade, por possuir a capacidade de conhecer o mundo em que vive e ter consciência de suas sensações e de seus desejos. Portanto, o que deveria ser fundamental no homem é o exercício constante da faculdade de observar atentamente a realidade circundante, questionar os valores impostos pela sociedade, evitar os estereótipos linguísticos e ideológicos, raciocinar além da doxa, da opinião comum, pois, como dizia o saudoso Nélson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”.
Mas, infelizmente, o homem costuma renunciar à prática da reflexão, do bom senso, do equilíbrio, da coerência. Vivemos o dia a dia sem nos darmos conta do absurdo existencial. Falamos por automatismos, usando palavras e frases sem sentido, cultivamos hábitos nocivos à nossa saúde, seguimos rituais religiosos com pouca fé e muita hipocrisia, escolhemos políticos que não atendem aos interesses da coletividade, promulgamos leis injustas ou impraticáveis, estabelecemos padrões de comportamento que causam nossa infelicidade. Enfim, não conseguem atingir o equilíbrio entre a necessidade da satisfação dos instintos individuais e as exigências da vida em sociedade. E isso porque o que reina soberana é a estupidez humana! Apenas como exemplo de nossa incúria no exercício da razão, gostaria de tornar pública minha indignação toda vez que, ao tomar assento num avião a jato, em voos internacionais ou domésticos, encontro escrito atrás do assento que está à minha frente:
(Mantenha os cintos atados enquanto sentado.)
Tal enunciado, além de redundante, pois já existe o sinal luminoso e o aviso oral da tripulação, é ridículo (queria ver como é possível manter os cintos atados estando de pé!) e, ainda por cima, falso: quem viaja de avião sabe que deve atar os cintos na decolagem, no pouso e nas turbulências, mas não durante todo o tempo que se está sentado. Ora, milhares de pessoas, do mais alto nível social e cultural, passam longas horas com uma escrita tão idiota na frente de seus olhos, sem se dar conta da cretinice e sem reclamar junto à companhia de aviação! Isso porque não costumamos refletir sobre o que se passa a nosso redor, sendo guiados por puros automatismos. Infelizmente, a ciência ganha mais em conhecimento do que a sociedade em sabedoria. A verdade é que, como disse o sábio chinês Confúcio, “aprender sem pensar é simplesmente inútil”.
Portanto, adquirir um conhecimento apenas técnico, sem refletir sobre a utilidade de sua aplicação ou sobre seu valor estético ou formativo, é um desperdício de inteligência humana. O hábito da reflexão deveria ser o denominador comum do cientista, do artista, do pedagogo, de qualquer homem, enfim, que queira fazer uso correto da razão. É triste constatar que estamos vivendo a civilização do conhecimento e não da sabedoria. Isso explica por que, apesar dos formidáveis avanços tecnológicos, ainda persistem inúmeros conflitos, de ordem política e religiosa, individual e social. Deveríamos pôr em prática o profundo achado do famoso historiador inglês Arnold Toynbee:
Uma vez exposto nosso ponto de vista sobre o saber em geral, passamos a examinar as principais formas específicas de conhecimento, acompanhando as várias fases da evolução da vida em sociedade.