Coelho ficou atônito.

A entrada e a saída daquele homem seria inexplicável se ele não estivesse doido. Só a loucura podia explicar semelhante procedimento.

Coelho deu graças a Deus de se ver livre do doido, e deu ordem ao moleque de nunca mais abrir a porta àquele sujeito.

A ordem era inútil.

O homem reapareceu à porta da sala.

— Ainda aqui! exclamou Coelho.

— É verdade, respondeu Alves. Venho propor-lhe um meio de nos reconciliarmos.

Coelho fez um gesto de impaciência.

— Mas, senhor, nós nunca estivemos conciliados, nem brigados. Não sei que haja necessidade...

— Há, respondeu tranqüilamente o homem. Quer ouvir-me?

— Fale.

— Eu disse-lhe há pouco que amava a sobrinha de Ypsilanti. — Coelho fez um gesto afirmativo. — Era mentira, disse Alves.

— Ah!

— É verdade, era mentira, não a amava; o meu fim era fazer um bom casamento, isto é, um casamento rico.

— Ainda bem que o confessa, disse Coelho, respirando.

— Confesso.

Coelho levantou-se.

— Nesse caso, disse ele, se e senhor tem a impudência de confessar que não amava a pessoa em questão, se confessa que queria um casamento rico, por que razão está aqui?

— Estou aqui por uma razão bem simples, respondeu tranqüilamente o homem.

— Qual?

— Porque o senhor...

E parou.

— Porque eu... disse Coelho.

O homem cravou os olhos nele.

— Porque eu... repetiu Coelho.

— Porque o senhor também a não ama.

— O quê? disse Coelho espantado.

— O senhor também a não ama...

— Essa agora!...

— O seu fim é também fazer um casamento de dinheiro... concluiu calmamente o homem.

Coelho estava estupefato.

— De que se admira? perguntou Alves.

— Da sua audácia.

— Em que consiste a minha audácia?

— Meu caro senhor, isto é ridículo, disse Coelho encolerizado; a ninguém dou o direito de duvidar dos meus sentimentos.

— Não digo que o senhor dê esse direito a ninguém, retorquiu Alves sentando-se sossegadamente, mas eu é que o tomo por minhas mãos.

— Mas enfim que quer o senhor?

Alves assumiu um ar melancólico, e respondeu:

— Que o senhor me indenize da perda que sofro em não casar com aquele anjo.

Coelho não podia cair em si. Alves falava com tanta segurança, que era impossível não supor nele uma resolução inabalável.

— Então, quer liquidar esse negócio comigo?

— Creio que o senhor não fala sério.

Coelho começou a refletir. Não lhe convinha ter por inimigo um homem, cuja audácia se manifestara já tão singularmente. Tratou de ladear a questão.

— Eu não hesitaria em socorrê-lo, disse ele, caso o senhor precisasse, mas confesso que não possuo nada.

Alves sorriu.

— Há de possuir.

— Mas...

— Eu não venho pedir-lhe socorro, mas uma indenização. Saibamos de uma coisa antes de tudo: adota essa indenização em princípio?

— Em princípio, nego-lha.

— Ah!

Houve um silêncio.

— Está bem, disse Alves, deixemos os princípios; vamos aos fatos. Está pronto a dar-ma?

— Mas, senhor, isto é uma ladroeira, disse Coelho, levantando a voz para que o moleque o ouvisse.

— Não, senhor, é uma indenização.

— Pois bem, disse Coelho, depois de alguns instantes de reflexão. Vejamos as suas condições.

— Bravo! vejo que nos entendemos. As minhas condições são: dez contos de réis pagos dois meses depois do seu casamento.

— Dez contos! exclamou Coelho.

— Sem lhe rebater um real; é largar ou pegar. Não é mau; o senhor deve entrar na posse de uns cem contos de réis pelo menos, além das esperanças; e nega uns pobres dez contos a quem lhe cede o lugar?

— Nada, não lhe dou um vintém, disse resolutamente Coelho.

— Sério?

— Sério.

— Olhe lá.

— Já disse; não lhe dou um vintém. Isto seria ridículo se não fosse infame. Peço-lhe que se retire.

Alves soltou uma gargalhada, pôs o chapéu na cabeça, cumprimentou o dono da casa e saiu dizendo:

— Até à vista.