Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXIX
Por isso é loucura sacrificar a vida por eternizar o nome; porque dos mesmos Heróis também morre o nome, e glória: a diferença é, que a vida dos Varões ilustres compõe-se de anos, como nos mais homens, e a vida das suas acções compõe-se de séculos; porém estes acabam, e tudo o que se encerra neles, vem a entrar finalmente no caos do esquecimento. Tudo no mundo são sombras, que passam; as que são maiores, e mais agigantadas, duram mais horas, mas também se extinguem, e do mesmo modo, que aquelas, que apenas tiveram de existência alguns instantes. O desejo nos finge mil objectos imortais, e entre eles a fama é ao que mais nos inclina a vaidade; sendo que o mesmo ar, que lhe dilata os ecos, lhe confunde, e apaga a voz. Nas cousas é trânsito, o que nos parece permanência: a diversidade, que vemos na duração delas, é porque umas gastam mais tempo em acabar que outras; de sorte que propriamente só podemos dizer, que as cousas estão acabando, e não que estão sendo.