Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXVIII
Acabam os Heróis, e também acabam as memórias das suas acções; aniquilam-se os bronzes, em que se gravam os combates; corrompem-se os mármores, em que se esculpem os triunfos; e apesar dos milagres da estampa, também se desvanecem as cadências da prosa, em que se descrevem as empresas, e se dissipam as harmonias do verso, em que se depositam as vitórias: tudo cede à voracidade cruel do tempo. Acabam-se as tradições muito antes que acabe o mundo; porque a ordem dos sucessos não se inclui na fábrica do Universo; é cousa exterior, e indiferente. Os monumentos, que fazem da história a melhor parte, e a mais visível, não só se estragam, mas desaparecem, e de tal sorte, que nem vestígios deixam por onde ao menos lhes recordemos as ruínas. Não têm mais duração as cinzas dos Heróis; porque as mesmas urnas, que as escondem, se desfazem, e os mesmos epitáfios, por mais que sejam profundos os caracteres, insensivelmente vão fugindo dos nossos olhos, até que se apagam totalmente. Ainda as cousas inanimadas, parece que têm um tempo certo de vida; as pedras, de que se formam os padrões, vão perdendo a união das suas partes, em que consiste a sua dureza, até que vêm a reduzir-se ao princípio comum de tudo: terra, e pó.