Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXX
Porém destes mesmos delírios resulta, e depende a sociedade; porque a vaidade de adquirir a fama infunde aquele valor nos homens, que quási chega a transformá-los em muralhas para defesa das Cidades, e dos Reinos; a vaidade de serem atendidos os reduz à trabalhosa ocupação de indagarem os segredos da Divindade, o giro dos astros, e os mistérios da natureza; a vaidade de serem leais os faz obedientes; a vaidade de serem amados os faz benignos; e finalmente a vaidade, ou amor da reputação os faz virtuosos. Daqui vem, que o homem sem vaidade entra em um desprezo universal de tudo, e começa por si mesmo: olha para a reputação como para uma fantasia, que se forma, e se sustenta de um sussurro mudável, e de uma opinião sempre inconstante; olha para o valor como para um meio cruel, que a tirania ideou para introduzir no mundo a escravidão; olha para o respeito como para uma ceremónia, ou dependência servil, que indica poder em uns, e nos outros medo, semelhante à estátua de Júpiter, diante da qual todos se prostram, não por amor do ídolo, mas por causa do raio, que tem na mão; olha para a benignidade como para um modo, ou artifício de atrair a si a inclinação dos outros, e por isso virtude mercenária; olha para a lealdade como para um acto, que precisamente resulta de uma submissão necessária; e ultimamente olha para a fama como para um objecto vago e incerto, e que na realidade vale menos do que custa a conseguir.