Platão (declara) que há três princípios criativos no universo, Deus, a matéria, e o modelo; Deus, como o Criador e Regulador de seu universo, exercendo a providência sobre ele; mais importa que, assim como ele está por trás de todos (os fenômenos), sendo que com a matéria é cuidadoso como uma enfermeira, rege a harmonia dos quatro elementos constituintes do universo; fogo, água, ar e terra, dos quais todo o resto das que são denominadas substâncias concretas, como animais e plantas, foram criadas. E o modelo, que ele também chama de idéias, é a inteligência da deidade, para a qual, assim como um desejo da alma, a deidade obedece, criando todas as coisas. Deus, disse ele, é incorpóreo e sem forma e compreensível apenas para os homens sábios; considerando que matéria é um corpo potencial, mas que não é utilizada, sem forma e qualidade, e, ao assumir forma e qualidades, se tornou um corpo. Isso implica que há um princípio criativo e da mesma época da divindade, e por causa disso o mundo não teve início definido. Por que (Platão) afirma que (o mundo) foi criado a partir disto. E que (o atributo da) eternidade necessariamente pertence àquilo que não teve início. Até aqui é suposto que o corpo contenha muitas qualidade e idéias, e tem início e fim. Mas alguns seguidores de Platão empregaram o seguinte exemplo: que uma biga pode continuar indestrutível, através de reparos parciais de acordo com o tempo, ainda que as partes inutilizadas sejam destruídas, a biga se mantém sempre completa; assim também é o mundo, pode perder partes, mas quando essas partes são removidas, reparadas, novas partes são introduzidas, e permanece eterno.

Alguns afirmam que Platão disse que a deidade era única, ingerável e incorruptível, assim com ele diz em As Leis[1]: “Deus, portanto, possui o começo, o fim e o meio de todas as coisas, de acordo com os ancestrais”. Assim ele mostra Deus como sendo único, assim como ele permeia todas as coisas. Outros, entretanto, afirmam que Platão defende a existência de muitos deuses, de número indefinido, quando ele usa estas palavras: “Deus dos deuses, de quem eu sou o Criador e Pai”[2]. Mas outros afirmam que ele fala de um número definido de deidades: “Assim, o poderoso Júpiter guiando sua carruagem nos céus”, e quando enumera a descendência dos filhos do Céu e da Terra. Mas outros afirmam que (Platão) colocou os deuses como sendo criaturas; e por conta de terem sido criados, todos eles foram submetidos à corrupção, e pela vontade de Deus, eles são imortais, (afirmando isso) na passagem supracitada quando ele adiciona à frase “Deus dos deuses, de quem eu sou o Criador e Pai”, adiciona “indissolúveis, de acordo com a minha vontade”; se Deus estivesse disposto a dissolvê-los, seriam facilmente dissolvidos.

E ele admite a natureza de demônios, e diz que alguns deles são bons, e outros são desprezíveis. E alguns afirmam que ele declara que a alma não teve início definido e é imortal, quando usa as seguintes palavras: “Toda alma é imortal, por que está sempre se movimentando é imortal”; e quando explica que a alma move a si mesma, e capaz de criar movimento. Outros, entretanto, (dizem que Platão afirmou que a alma foi) criada, mas é eterna pela vontade de Deus. Mas outros dizem que ele considerou a alma como um composto, criado e corruptível; porque ele sempre considera que há um receptáculo[3] para ela, e que possui um corpo luminoso, mas que tudo que é corruptível[4]. Aqueles que dizem que a alma é imortal são fortemente apoiados pelas passagens[5] (nos escritos de Platão), onde ele diz que existem julgamentos após a morte, e tribunais de justiça no Hades, e que as (almas) virtuosas recebem uma recompensa, e as más têm sua justa punição. Alguns, não obstante, asseveram que ele também reconhece que há uma transição de almas de um corpo para outro, e que diferentes almas, de acordo com seu propósito, passam por diferentes corpos[6], e que depois[7] de certos períodos de tempo elas são enviadas a este mundo para provar suas escolhas. Outros, entretanto, (não admitem essa doutrina, mas afirmam que Platão ensinou que as almas) obtém um lugar de acordo com a vida de cada uma; e eles usam como prova em seus escritos que alguns homens bons estão com Jove, e que outros estão (no céu) com outros deuses; assim como outros estão envolvidos em punição eterna, por que em vida fizeram obras más e injustas.

E algumas pessoas afirmam que Platão disse que algumas coisas não têm uma média, que outras tem uma média, e outras são uma média. (Por exemplo, que) andar e dormir, e coisas assim são uma condição sem estado intermediário; e que há coisas que tem um significado, como virtude e vício; e que existem médias (entre extremos), como cinza, que está entre preto e branco, ou outra cor. E eles dizem que ele afirmou que as coisas que concernem à alma são absolutamente boas, mas as coisas que concernem ao corpo, e aquelas externas a ele, não são absolutamente boas, mas supostas bênçãos. E freqüentemente ele as classifica para serem utilizadas para o bem ou para o mal. Algumas virtudes, ele diz, são extremos por causa de seu valor intrínseco, e por causa de sua natureza essencialmente na média, nada é mais estimável do que a virtude. Por exemplo, ele diz que existem quatro virtudes – prudência, temperança, justiça e coragem – e que cada uma delas tem paralelamente dois vícios, de acordo com seu excesso ou falta: por exemplo, para a prudência, descuido para a falta e desonestidade para o excesso; para a temperança, licenciosidade para a falta e estupidez para o excesso; para a justiça, desconsiderar uma prova para a falta e considerar excessivamente para o excesso; para a coragem, covardice para a falta e imprudência para o excesso. E quando estas virtudes, se forem absorvidas por um homem, fazem-no perfeito e o permitem ser feliz. E a felicidade, diz ele, é a assimilação com a deidade até onde seja possível; e a assimilação com Deus acontece quando alguém combina santidade, justiça e prudência. Porque, para ele, este é a finalidade da sabedoria e virtude suprema. E ele afirma que uma virtude segue a outra[8], sendo uniforme, nunca antagônica uma à outra; enquanto que os vícios são o contrário. Ele afirma que o destino existe; apesar de não estar muito certo, ele diz que todas as coisas são produzidas pelo destino, e que há algo em nosso poder, na passagem que diz: “O erro é feito pela pessoa que fez, Deus é inculpável” e “seguindo a lei[9] de Adrastéia[10]”. E assim (sobre este tópico) seus seguidores se dividem entre aqueles que defendem um sistema de destino e outro de livre-arbítrio. Ele afirma, entretanto, que os pecados são involuntários. Porque sendo a mais gloriosa coisa em nosso poder, que é a alma, ninguém pode admitir (deliberadamente) que é corrupto, sendo a transgressão derivada da concepção ignorante e errônea da virtude, supondo que estava tentando alcançar algo honrável, transformando-se em vício. Ele demonstra essa doutrina de forma mais clara em A República[11]: “Mas de novo vocês presumem que o vício é desgraçado e desprezível para Deus; como então, eu posso perguntar, alguém escolheria coisa tão má? Ele, você responde, é vencido pelos prazeres[12]. Portanto isso também e involuntário, se vencer é voluntário; assim, em cada ponto de vista, a consumação de um ato torpe é racionalmente provado[13] ser involuntário”.

Alguns em oposição (a Platão) fazem a seguinte pergunta: “Por que então os homens são punidos se o pecado é involuntário?”. Mas ele responde que ele pode ser liberto do vício passando por uma punição. Porque a punição não é uma coisa ruim, mas uma coisa boa, é como uma purificação de todos os maus; e que o resto da humanidade, ouvindo isso, não deve praticar transgressões, mas se guardar dos erros. (Platão, entretanto, mantém) que a natureza do mal não é criada pela deidade, nem possui subsistência de si mesma, mas que deriva do contrário daquilo que é bom, e do fracasso em fazê-lo, tanto por excesso quanto por falta, assim como já afirmamos sobre as virtudes. Platão inquestionavelmente, como já afirmamos, explorou as três divisões da filosofia universal, deste modo formando seu sistema especulativo.


  1. De Legibus, IV:VII.
  2. Timaeus, C:XVI p. 271, vol. VII, ed Bekker). O original desta passagem é: "Deus dos deuses, de quem eu sou criador e pai dos trabalhos, aos quais foram criados por mim, são indissolúveis, através da minha vontade, assim como todos os eventos".
  3. A palavra literalmente significa um copo ou vaso e, sendo empregado por Platão em sentido alegórico, é evidentemente significa anima mundi (alma do mundo), que seria uma espécie de depósito para todas as existências espirituais do mundo
  4. Ou "que existe corrupção para tudo aquilo que foi criado".
  5. Ou "são confirmados (por Platão), porque ele afirma etc." ou " aqueles que afirmam que a alma é imortal são apoiados pela sua opinião, assim como aqueles que afirmam existir um estado futuro de retribuição.
  6. Ou "que mudam para diferentes almas" etc.
  7. Ou "durante".
  8. Diógenes Laércio, descrevendo o sistema dos estóicos, utiliza as mesmas palavras no caso da definição deles de virtude.
  9. Isso é completado no original; a passagem ocorrem Phaedrus, C:LX(p. 86, vol.I, ed. Bekker).
  10. A palavra "Adrastéia" foi um termo para "Nêmesis", e significa aqui destino inalterável.
  11. Essa mesma passagem ocorre em Cliphoron.
  12. O texto, como dado por Miller, é carente de significado. Portanto a tradução é conjectural, de acordo com as alterações de Schneidewin.
  13. Ou "declarado".