XX

Fevereiro 18 72.

Ora fazendo estas iluminações (secretas), eles tinham, Imperial Senhor, um fim supremo, e docemente esperado. Eles, Senhor, são todos homens de bem e de boas famílias, manejam regularmente as quatro espécies, não comem com a mão, e usam boa roupa branca; — mas são acanhados. São acanhados como araras. Deram amplamente o seu dinheiro, mas não dão facilmente o seu segredo. Tremem, recuam. Nós, por isso, compadecidos e generosos, tornamo-nos o verbo destes silenciosos!

Senhor! Ei-los, esses homens prestantes!

Aqui os tem Vossa Majestade a seus pés. Vossa Majestade pode verificar que estão todos bem barbeados. Eles pedem, Senhor, uma coisa bem insignificante. Não é que Vossa Majestade os visite a Vale de Lobos. Nem que Vossa Majestade lhes pergunte pela família, como aquele de quem falam os telegramas de Santarém. Nem que

Vossa Majestade lhes faça a eles a honra que fez à orelheira de porco — prová-los. Nem que Vossa Majestade lhes compre os mimos de Pomona, que a plebe ignorante chama maçãs. Não! Estes cavalheiros, pedem simplesmente que Vossa Majestade os condecore com a comenda da Rosa! Ora aí está!

Ah, Imperial Senhor! é que eles foram incansáveis! Vigiavam alta noite os trabalhos dos obeliscos! Reanimavam com faias exaltadas o cansaço dos operários!

Chegaram a estar de cócoras, revolvendo a terra! Quando a iluminação não ardeu, eles sopraram com desvairada fúria pelos canos! Alguns ficaram calvos! E se não puseram mais iluminações é que, como Vossa Majestade compreende — a cidade não podia ficar inteiramente às escuras!

Ousamos dizê-lo. Vossa Majestade deve-lhes a comenda! Eles não ergueram os dois obeliscos para regalar os príncipes nem para alumiar a plebe. Para isso acendiam fósforos! foi no interesse superior das suas casacas pretas! Senhor, foi para a comenda.

E gastaram o seu rico dinheiro! gastaram contos de réis, Imperial Senhor!

Carta a S. M. o Imperador do Brasil. — Ousamos dirigir-nos a Vossa Majestade Imperial, por um motivo de indeclinável justiça. Veio Vossa Majestade a estes remos, e apesar de termos a obrigação de acreditar (segundo as ordens de Vossa Majestade) que não era Vossa Majestade que estava entre nós, sucedeu que alguns imprudentes, em risco de cair no imperial desagrado, ousaram afirmar por factos públicos que Vossa

Majestade era Vossa Majestade. Igualmente aconteceu que, se por um lado Vossa

Majestade negava ser o Imperador do Brasil, dava bastantemente a entender, por outro, que não era inteiramente nem o defunto Pilatos, nem o actual varredor da Travessa das

Gáveas. Enfim, alguns indiscretos, vendo um homem alto, forte, encanecido, venerando, académico, irmão dos terceiros da Lapa e com uma mala na mão — não esperaram mais, e no seu impulso febril e ávido de glorificar o Imperador do Brasil, festejaram Vossa

Majestade. Deliberaram então estes sujeitos acender, em honra daquele que Vossa

Majestade diz não ser, uma iluminação no Rossio ao pé da estátua do Pai de Vossa

Majestade — a quem nós, por abreviatura, neste País apressado e preguiçoso, chamamos familiarmente «o Dador!» Estes indivíduos ergueram dois obeliscos de madeira e envolveram-nos de tubos de gás: o gás não ardeu. Mas Vossa Majestade não era Vossa

Majestade: — e a iluminação pelo mesmo motivo não foi a iluminação, querendo também passar incógnita. No entanto, se a iluminação se recusou obstinadamente a resplandecer, ficou inteira e pura a intenção dos iluminantes. Eles não tinham lumes em seus obeliscos — mas sua alma estava cheia de lamparinas.

Vossa Majestade é generoso, claro em sabedoria, inesgotável de alma! Esperamos com os joelhos no chão, aos pés do Imperador...

Mas Vossa Majestade sorri! uma benevolência radiosa sobe ao seu rosto! Já o sim desejado lhe baila nos lábios!... Oh, obrigado, Senhor! A generosidade desta graça será recordada nas glorificações da história. (E vós, maganões da Comissão dos Festejos — esfregai as manápulas. Abichastes a comenda!)

Nós, Senhor, penhorados até à profundidade da nossa essência — aqui ficamos nestes países, para o seu serviço bem-amado, ou como historiadores dos seus feitos ou como fornecedores de mais orelheira de porco. — Deus tenha Vossa Majestade sob o seu olhar paternal.