O baile continuava indiferente e animado.
A ausência de Maffei não se fizera sentir e só algum curioso observador dizia distraidamente:
— Oh! Maffei está hoje mais do que nunca concentrado!... Não há quem o veja!...
E disso não passava.
Somente no dia seguinte, pela manhã é que o jardineiro, todo banhado em lágrimas, participara ter encontrado no jardim o cadáver do querido amo.
Houve grande alvoroço na casa e, tanto esta como a família do morto, se cobriram de luto. No dia seguinte os jornais de Nápoles noticiavam ter sucumbido o muito honesto e muito nobre proprietário da rua de Toledo, fulano de tal Maffei, vítima de uma congestão cerebral, que o acometera na véspera. Enterrado o cadáver não se falou mais em tal. Rosalina tratou de suspender, por algum tempo, os bailes e de substituir os teatros e passeios pelas palestras nos serões.
Daí nasceu um murmurar contra ela e o cavalheiro de bigodes pretos, se com ou sem razão, não sei; o que posso dizer e até afiançar é, que por várias vezes, houve quem o visse sair pela madrugada do andar inferior da casa cinzenta da rua de Toledo. Calúnias, talvez... inveja, com certeza!
Com o correr dos dias, foi o luto perdendo pouco a pouco a cor carregada, de sorte que no fim de um ano desaparecera inteiramente e com ele cansou a dor de doer e os olhos cansaram de fingir. E voltara a alegria, como volta a primavera, matizando de flores e risos os corações e os lábios.
Como um noivo passivo, o nobre visconde de Cenis gastava todos os serões em companhia da rica herdeira, e exteriormente já se tinha como resolvida o casamento dele com Rosalina.
Em breve a filha do pescador seria a excelentíssima senhora viscondessa de Cenis e o visconde seria o herdeiro legítimo dos bens do falecido Maffei.
Qual das duas partes faria melhor aquisição? Uma levava uns restos de homem a título de visconde e a outra um dote avultado e uma mulher prostituída. Estas ruindades fundidas deveriam dar um resultado satisfatório para ambos e talvez para a sociedade, que, em vendo dinheiro, faz como as crianças: fecha os olhos e abre a boca.
Entanto, quando o visconde se retirava da sala de honra, abria a noiva a porta privada da alcova, para o outro, que, se em verdade não era tão nobremente visconde, tinha, em compensação, um bom par de bigodes pretos, que valiam por um brasão.
Afora estes, roda imensa de admiradores incensava infrutiferamente, noite e dia, a formosa e rica órfã, mas embalde procurava ela, nos cantos empoeirados do seu coração, alguns restos de respeito e amizade séria para aquela gente que, a despeito da sua boa vontade, só lhe aparecia pelo prisma do interesse e da especulação. No fim de contas tão embotadamente desgraçados eram os adoradores, como o objeto da adoração, que se aqueles amavam por cobiça, este não o podia fazer por desconfiança, e infeliz, muito infeliz da mulher que não ama, - o amor é o caminho da maternidade.
O próprio moço dos bigodes não passava para Rosalina de uma fantasia de igual criminalidade de outros muitos, que, com a mesma amorosa indiferença, entretinha a desregrada rapariga; e tanto assim era que, sendo por ele pedida em matrimônio, recusara-se, dizendo cinicamente que o casamento era a única parte ascendente de sua vida por onde poderia trepar em algum tempo à nobreza, e por isso não a barateava assim tão facilmente.
O dos bigodes, cujo empenho único era enriquecer, vendo malogrado em Nápoles os seus planos de abastecimento, deu-se de velas para Milão, sua pátria, em busca de nova fortuna, depois de ter chamado a amante de ingrata e perjura.
Rosalina riu-se da saída aparentemente romanesca do cavalheiro de bigodes e insensivelmente o substituiu por outro.
O visconde em ruínas, esse, coitado! é que não desistia, nem era preterido; barreira firme, rochedo inalterável, recebia impassível e com verdadeira coragem, digna da nobreza de sua ilustre raça, os embates tempestuosos daquele pélago de lama. Coitado! a desonra lhe seja leve!...
E neste estado deplorável de coisas decorria o tempo, sem outro fato de notar, além do que se vai seguir.