CAPITULO XL

Dos peixes, passaros e lagartos, que se encontram n’esses paizes.


Eis uma questão não pequena, de phisica ou de philosophia natural — «como pode um animal, vivo e perfeito na sua especie, formar-se sem progenitores.»

Alberto, o grande escriptor, vio peixes vivos no meio de uma grande pedra marmore, tirada da rocha, e rachada no centro.

Não é novidade para os que leram este autor, porque eu vi em Maranhão, nos regatos formados pelas chuvas, e que pouco duram, muito bons peixes, iguaes em tamanho e côr aos que vivem em rios permanentes, e que nascem de ovas.

Como é possivel, que sem haver ovas, possam estes peixes nascer, crescer e morrer, com a queda, augmento e ausencia das chuvas?

A razão d’isto está na força e influencia dos planetas predominantes em janeiro e fevereiro, quando nascem estes peixes, e na conjuncção forte da humidade e do calor e na disposição do terreno, tudo isto combinado de tal forma, que dá origem a taes e taes peixes de preferencia aqui do que em qualquer outra parte; como vemos na Europa em que a diversidade das terras, por onde passam as chuvas, produz differentes variedades de peixes.

Entre os passaros do Maranhão, dos quaes eu diria maravilhas, si outros ja o não tivessem feito, notei uma especie singular de aves aquaticas vermelhas,[NCH 68] cuja penna e carne são de côr escarlate, dando-se a particularidade de serem brancas quando sahem do ovo, depois com o tempo, quando podem vôar; são pretos, e assim ficam até chegarem a sua grandesa e grossura natural, d’ahi vão se tornando meio pardos e meio vermelhos, e finalmente totalmente rubros, passando assim por quatro mudanças.

Não digo isto por ouvir dizer, porem observei nos que se criam em casa presos. Este phenomeno não se dá sem uma razão profunda, e fundada na naturesa, e me parece ser esta: a côr da pelle e das pennas é devida á disposição e qualidade do alimento, que nutre a ave, porque diz o philosopho, a pelle e as pennas nascem, crescem e se nutrem com a superfluidade dos alimentos: ora a côr branca faz suppor alimentação leve e delicada, e por isso a avesinha ao sahir da casca do ovo, vivendo somente á custa de moscas e mosquitos, que vôam ao redor d’elle, é natural que suas plumas, originadas de tão fraca comida, tenham a côr branca.

A côr negra porem faz crer em abundancia e superfluidade de alimentação, porque a intensidade do calor natural vae sempre excitando o apetite, e empurrando-o para o pasto e por isso notei, que quando esta ave tem as pennas pretas é glutão e come constantemente.

A côr parda e meia vermelha mostra uma tendencia, ou uma regra, nascida expontaneamente da naturesa para acolher uma certa alimentação, que lhe é propria, e então observei escolher esta ave uma comida singular e especial, isto é — os carangueijos, os quaes consummidos no estomago, ahi se transformam em chylo vermelho como escarlate, e este cahindo no figado, se d’elle não receber alguma côr, como acontece com os outros animaes, tinge-o com sua côr, e sempre assim passa para as veias, das veias para a carne, da carne para as pennas, e tão perfeitamente, que si fosse um mettido dentro de uma panella para cozinhar, podia dizer-se que havia dentro uma porção de vermelhão.

Entre milhares de lagartos e reptis do mar, appliquei minha attenção para uma especie bem monstruosa.

É um animal que vive umas vezes n’agoa, outras em terra, e tambem nas arvores, contendo em si as tres espheras com que vivem todos os animaes do mundo.

Com os peixes partilha o elemento d’agoa, com os homens e os quadrupedes o da terra, e com os passaros aninha-se e repousa nas arvores. Direi ainda que só parece terem os astros lhe dado sobre os rins, desde a cabeça até o fim da cauda um reflexo de seos raios e brilhos, porque notareis no dorso uma bella facha de raios do sol e das estrellas, similhantes aos que fazem os nossos pintores ao redor do globo do sol e das estrellas.

Tem a pelle esmaltada de côr prateiada e azulada, como a abobada celeste quando serena.

Quando este animal sente a intensidade do Sol, sahe do mar, sobe ás arvores visinhas, e escolhendo um ramo para deitar-se, ahi se estende e descança.

Põe seos ovos nas arvores maritimas, os quaes aquecidos pelo calor do Sol deixam sahir os lagartinhos, que apenas sahem das cascas dos ovos conhecem logo o pae e a mãe, acompanham-no ao pasto no mar, em terra e nas arvores.

Explico a rasão d’isto dizendo que quanto mais humido é o animal, mais somnolento é elle. Entre todas as especies de animaes esta sorte de lagartos é humida e fria, e por tanto sujeita ao dormir, e como seja mais agradavel o somno quando se tem os membros em certo grau de calor, eis por que elles buscam soalheiros. Reconhecendo pequeno o seo calor natural, eis porque põem seos ovos em lugar expostos aos raios do Sol.