CAPITULO XLVII

Das aguias, dos passaros grandes e dos passarinhos d’aquelle paiz.


Na Ilha ordinariamente não se vêem aguias, porem ha muitas na terra firme, proxima a Maranhão.

Não são verdadeiramente tão grandes como a do velho mundo, porem são mais furiosas, atrevidas, e valentes, que accommettem os homens, e não fazem seos ninhos, sobre rochedos, como diz Job, Aquilla in petris manet «a aguia mora nos rochedos» porem entre as arvores.

Vou contar-vos á este respeito o que ouvi em Maranhão sobre duas aguias extraordinariamente ferozes, que vieram aninhar-se nos mangues d’Uy-rapiran, aldeiazinha na costa, distante legoa e meia do Forte de S. Luiz.

Mostraram-me o lugar, onde ellas viviam, n’um dia, em que passeiando pelo mar fui visitar um francez, morador n’essa aldeia.

Tinham essas aguias cortado ramos mais grossos do que uma côxa de homem, e tinham feito tão boas acommodações, que melhores não fariam doze homens.

Ahi tinham depositado seos ovos com seos filhinhos, e ninguem se atrevia a passar por perto.

Vão caçar cabritos-montezes, matam-nos, espedaçam-nos com unhas e bicos, e depois trazem alguns boccados a seos filhos.

Pescam da mesma fórma arremeçando-se sobre os golphinhos, pirapamas, e trombudos, e tiram-no do mar com suas garras, deitam-nos em terra, dividem-nos em pedaços, que levam a seos filhos.

Vão ainda mais longe: mataram um homem e uma mulher Tupinambás, o que lhes causou a sua morte e a do seos filhos, porque si lhes armou uma cilada tão bem arranjada, que conseguio-se matar o macho, e a femea achando-se viuva retirou-se para a terra firme abandonando seos filhinhos, que foram passados pelas armas dos Tupinambás em vingança do crime commettido na pessoa dos dois, que elles mataram, e destruio-se-lhes o ninho.

A femea é maior que o macho, ambos de côr parda, olhar vivo e feroz, poupa forte e irriçada no cume da cabeça, pennas grossas no canudo e grandes como a de um gallo da India: servem-se d’ellas os Tupinambás para emplumar suas flexas.

Nota-se n’estas pennas uma coisa particular e especial: si os selvagens as misturam com outras pennas, como sejam de araras, e de outros passaros grandes, são estas roidas e comidas por aquellas, pelo que são guardadas a parte, e com outras não as deitam em suas flexas.

Por maiores, que sejam os outros passaros, é a Aguia o Senhor e o Rei não por igualdade de forças, mas por subtileza e ligeireza de vôo, subindo muito alto quando quer perseguir os passaros grandes, e descendo mui rasteiramente quando elles tambem descem, e quebram-lhes a cabeça com o bico.

Ficam assustados todos os passaros quando ouvem o seo grito, calam-se e occultam-se entre folhas.

Caçam principalmente os gaviões, parecidos com as pombas brancas, que vivem nas praias, saltando de ramo em ramo, esperando a vinda de passarinhos para assaltal-os e agarral-os. Ahi vão as aguias caçal-os, e despedaçal-os n’um momento.

Nutrem-se tambem de tartarugas do mar e de terra, e não poupam a alguma serpente ou cobra que por ventura encontrem.

Raras vezes podem os selvagens pilhal-as de geito para flechal-as.

Trepam-se no cume das arvores, onde expandem as azas aos raios do sol, tirando com seo bico as pennas velhas, que por esse estado ja não servem: ahi vão os selvagens buscar estas pennas para seo uso.

Assimelham-se muito na fórma e côr ás pennas dos gallos da India, e são muito boas para escrever.

Alem d’estas aguias ha passaros grandes chamados uira uaçú, quasi do tamanho dos abestruses da Africa,[NCH 80] mais compridos, porem não tão grossos.

Os grous de lá parecem-se com os pardaes. Si algum foi para a França, levado por nossos companheiros, saibam que ha outros ainda mais grossos.

Agarram-nos os selvagens quando pequenos, e para isso procuram a occasião em que os paes vão caçar.

São brancos quando pequenos, mechem-se pouco a pouco, e vão mudando até que alcance suas pennas e cor verdadeiras.

São muito glutões, e parece que não se fartam, porem quando comem é por muitos dias.

Si os macacos pudessem persuadir os selvagens a extinguir essa raça, o fariam indubitavelmente, porque perdem milhões dos seos para sustento d’ellas.

Os Tupinambás, que criam estes passaros, conhecem que a melhor carne, que se lhes pode dar, é a de macacos, e para isto vão ao matto caçal-os e matal-os.

Ha outras especies de passaros grandes, porem que não se comparam com estes, e são as araras, os canindés, e outros, os quaes são agarrados pelos indios por maneira astuciosa.

Vão ao matto, escolhem as arvores, onde costumam estes passaros passar a noite, e onde se recolhem depois de comer: fazem debaixo d’essas arvores uma casinha redonda, com capacidade para conter tres homens, e coberta de palhas: ahi se recolhem e esperam a vinda dos passaros, que como não desconfiam, aproximam-se muito, e então os selvagens lhes atiram qualquer projectil, que os atordoa sem matal-os, cahem em terra onde são facilmente agarrados e prendem, e com o correr do tempo de tal maneira se domesticam, que embora os soltem, não deixam a casa do seo dono: introduzem-se pelos quartos, fazem grande matinada, com voz similhante a do côrvo, aprendem a fallar como os papagaios, e dão suas pennas á seos hospedes para com ellas se adornarem e enfeitarem.[NCH 81]

Os habitantes do rio depennam seos gansos para encher colchões, e os indios tiram as pennas d’estes passaros para fazer seos enfeites e adornos.

Ha muitas e diversas qualidades de garças, umas maiores, e outras mais pequenas.

Fazem seos ninhos nos mangues á beira do mar, vivem de peixe, e trazem alguns inteiros a seos filhos que principiam a comel-os desde os seos primeiros dias.

Admirei-me de ter sido encontrado um peixe grande, do tamanho de um arenque, no ventre de uma garça, pouca implumada.

Os selvagens vão tirar dos ninhos as garçasinhas, armados de bons cacetes para se defenderem dos paes e mães, que em tal caso não deixam de acudir aos que nutrem tão terna e cuidadosamente afim de estenderem a especie.

Similhantes as garças ha outros passaros chamados forquilhas pelos francezes e portuguezes, porque teem a cauda fendida quando vôãm: fazem seos ninhos nos mangues, em lugar recondito, e pouco frequentado dos homens o quanto é possivel: ahi põem, e deixam seos filhos, vão para o mar, e ahi ficam por todo o dia enchendo de peixe uma grande bolsa, que trasem debaixo da goela, e que depois levam a seos filhos: quando está vasia esta bolsa, enche-se de vento que os alivia e sustenta no meio do ar, quando passam muitos dias e noites sem ir a terra, e atiram-se pelo mar em distancia de 50 a 60 legoas procurando alimentos.

Tem a vista extraordinariamente apurada a ponto de verem do mais alto lugar, a que sobem, o peixe que náda no mar, e sobre elle cahem e agarram-no. Tem uma propriedade muito boa e é que perseguem os peixes, que andam atraz dos pequenos para devoral-os.

Aproximam-se d’agoa, e como querem participar da presa, perseguem-nos o quanto podem.

Alem destes passaros grandes ha milhares de passarinhos, entre os quaes merecem especial menção os seguintes.

As andorinhas do mar em tão grande quantidade, que cobrem as praias nas vasantes: são boas para se comer, e á vontade matareis muitas com uma arma, carregada de chumbo miudo, e sentado n’uma canoa.

Ha outra qualidade de passaros, que admiram muito a ponto de não se acreditar, e comtudo é verdade, por mim experimentada, os quaes tem por bico duas facas, embutidas em seos cabos, e aos quaes dão o nome de navalhas: o bico não lhes serve para buscar alimento, e por isso dizem que elles só vivem de vento, porque essas facas cortantes não lhes servem senão de passatempo quando passeiam pelas praias, e encontram outros passaros, que são por elles cortados pelo meio.

No dia, em que parti do Maranhão, um mancebo pertencente ao Sr. de Sam Vicente, que me acompanhou em toda a minha viagem, matou um, cujo bico guardei e trouxe para a França.

Ha melros como os de França, iguaes na plumagem e no canto, que espandem suas pennas á vontade no fim das chuvas, quando vem o bom tempo visitar os habitantes da zona tórrida: no fim do bom tempo e principio das chuvas soltam um canto triste, como que chorando o passado, e prevendo as tempestades do inverno, si tal nome merece.

Ha muitos passarinhos de bellesa incrivel: uns pardos, outros cor de violeta, azulados, amarellos e mesclados: fazem os selvagens penachos de suas pennas, que são muito caras por ser difficil matal-os, porque presentindo o inimigo, que os busca, trepam-se no cume das arvores mais altas, nas pontas dos ramos, fazem seos ninhos os quaes amarram com uma embira muito forte, e na outra extremidade que cahe no sollo, fabricam uma especie de pote de terra, no qual criam seos filhos entrando por um só buraco, proporcional á sua grossura.

Trouxe para França esses passarinhos, que aqui causaram muita admiração.

Possue o Maranhão um genero de passarinhos, que não excede no corpo á extremidade do pollegar, e acrescento com todas as suas pennas, e tem canto melodioso, que faz lembrar o das andorinhas, que imitam quando querem cantar: levantam o bico, e soltam o canto o mais alto, que podem, e o sustentam em quanto o permittem suas azas.

Fazem suas casas junto ás fontes, onde muitas vezes vão banhar suas azinhas para mais facilmente voarem alto. Ahi perto fazem seos ninhos, e imaginae o tamanho dos ovos, que chegam de 5 a 7: seos filhinhos ainda são de mais admiravel pequenez.

São tão fecundos, que os meninos enchem cabaças de ovos d’elles.

Ha de diversas cores, amarellos, violetas, pardos, etc.