CAPITULO XLVIII

Resposta a muitas perguntas, que fazem n’aquelle paiz á respeito das Indias Occidentaes.


Para perfeição d’este primeiro tratado, julguei acertado responder á todas ás perguntas, que se fazem n’esse paiz.

1.ª Si esta terra de equinoccio pode ser habitada por francezes delicados, naturaes de um paiz temperado, criados com cuidado e bons alimentos, pois não parece poderem se accommodar n’um paiz agreste, selvagem, cheio de mattas, entre barbaros, e debaixo da zona tórrida e ardente.

Respondo, que na verdade todos os principios são difficeis, porem pouco a pouco apparece a facilidade.

Não ha no mundo villa ou aldeia, que não cause susto e encommodo no principio, porem depois de alguns annos tudo vae bem, e os nossos padres ja ahi deixaram o fructo de suas fadigas.

Não eram mui delicados os cidadãos romanos? E comtudo não deixaram Roma e Italia para plantarem suas colonias nas florestas gaulezas e allemans?

O portuguez não é, como nós os francezes, na Europa sugeito a todas as molestias, trabalhos e fadigas? Sim! porem é neste ponto mais soffredor do que nós, pois bem sabe ser necessario primeiro lavrar para depois colher: comtudo estabelece-se muito bem no Brasil, faz grandes negocios, sendo a terra bem preparada e cultivada. Havendo dinheiro ha ahi de tudo, como em Lisboa. Eu vos lembro, que se a paciencia dos homens tem tornado, dentro de oito mezes, boas e ferteis as terras crestadas pelo gelo ou congeladas, uma terra, o coração do mundo, não será habitavel pelos francezes? É até loucura pensar n’isto, e portanto concluo, que esta terra é apropriada á naturesa dos francezes como é a França, si for bem cultivada e provida de viveres necessarios e acommodados ao gosto francez, como sejam pão e vinho: quanto á carne, peixe, legumes e raises, ha de tudo isto incrivel abundancia, tendo apenas o trabalho de colher e plantar os vegetaes.

Enganar-se-hia porem quem pensasse, que as arvores produzissem patinhos assados, as corças, quartos de carneiro, recentemente tirados do espeto, e o ar andorinhas bem cozidas, de fórma que não havia mais trabalho do que abrir a bocca e comer.

Com tal fantasia, não lhe aconselho, que lá vá, porque arrepender-se-hia.

É pois esta terra habitavel pelos francezes, e si ahi não tiverem commodidades, arrepender-se-hão, porem tarde.

2.ª Eis o que disse, e basta[NCH 82] a terra é habitavel, e pode ahi morar-se com algum encommodo durante alguns annos. Mas será saudavel para os francezes? Os indios ahi são sadios, e vivem longo tempo, embora selvagens e barbaros, nascidos n’este clima, e acostumados á tal temperatura. Não tem os francezes tal privilegio, pois são sujeitos á muitas febres, que se terminam em paralysia e outros encommodos. Respondo a isto, que julgamos das substancias pelos accidentes, e das terras pelos encommodos e enfermidades.

Comparemos agora a menor aldeia de França com a Colonia Francesa n’estas terras, e no espaço de um anno achamos haver na aldeia dez vezes mais doentes do que em dois no Maranhão.

Si algumas pessoas se dão mal, não é novidade pois em toda a parte está a morte: assim são as molestias.

D’estes males não estão isentos Reis e Principes em paizes os mais agradaveis e salubres, que se possa imaginar.

Em dois annos, que lá estive, apenas houve uma morte a do Rvd. padre Ambrosio:[NCH 83] fallo da morte natural, porque os devorados pelos peixes, a culpa foi d’elles por se lançarem ao mar.

Morreu o Rvd. padre de uma paralysia, porque estando muito atado a derrubar arvores grandes, e tendo o suor molhado seo habito, foi assim mesmo celebrar missa, e apenas sahio da igreja foi acommettido por uma febre, de que falleceo poucos dias depois.

Digo isto com certesa, porque o assisti até o fim, achando-se fóra em serviço de Deos os outros dois padres.

Á vista d’isto Maranhão e Paris pleiteam entre si.

Diz Paris — «és má terra, porque mataste um padre capuchinho que te mandei.»

Responde Maranhão «por um perdi quatro dos meos.»

«Tendes rasão para censurar-me?» Assim o deveria ser, si os meus fossem tratados como principes, e o pobre capuchinho apenas tivesse farinha, ou pouco mais.

«Concordemos pois, que o clima é sam e salubre, e que desperta muito o apetite, e si houvessem muitas gulodices como em França, para ahi iriam as pressas muitas moças francezas.»

3.ª Dizem vae tudo muito bem, porem não ha vinho, e nem trigo, principaes alimentos, indispensaveis nos melhores banquetes para as carnes mais delicadas.

Respondo, que ha milho em grande abundancia, de que se pode fazer pão, como nós o faziamos, e o achavamos muito agradavel ao gosto, embora gostassemos mais da farinha do paiz, especialmente quando fresca, porque não é pesada ao estomago.

Este pão de milho serve d’alimento em muitas terras do velho mundo,[NCH 84] e especialmente na Turquia, onde é chamado trigo da Turquia.

Não se perdeo ainda a esperança, que a terra firme do Brasil, forte e gorda, não possa produzir trigo, com que se fabrique o pão como na França.

Os habitantes de Pernambuco ja o fizeram; não estão longe de nós, porem em terras peiores.

Quanto a terra firme do Maranhão, melhor seria si o rei de Hespanha não prohibisse nas Indias Orientaes e Occidentaes plantação de trigo e de vinhas para tel-as sempre dependentes de seo soccorro, e de tudo quanto cresce nos seos Reinos de Hespanha e Portugal.

Accrescento ainda, que o Perú, que está no mesmo paralello que a terra firme do Maranhão, é abundante de trigo e de vinhas. Quem pode impedir, que ahi se produzam estes generos?

Quanto ao vinho, não é feito das vinhas do paiz, embora ahi possam crescer,[NCH 85] e contam-nos, que as trazidas pelos nossos religiosos na ultima viagem pegaram e produziram fructos. Quem pode impedir grandes plantações de vinhas, e que em dois ou tres annos se façam grandes colheitas?

A França nem sempre tem vinho, actualmente porem tem muito.

Os flamengos, os inglezes, os hibernios e dinamarquezes não fabricam vinho, contentam-se com cerveja, e se querem beber vinho abrem a bolsa, e ahi vão os melhores vinhos do Universo.

O mesmo succede em Maranhão, porque os navios ahi os levam. É bem verdade, que é um pouco mais caro do que em França, porem é melhor, segundo pensam alguns francezes, que avaliam as coisas pelo preço.

Os mais economicos acostumam-se com a cerveja do paiz que é muito boa por ser feita de milho, e não é muito cara por haver muita abundancia deste genero na terra e serem as agoas boas e puras.

4.ª Dizem. Si é assim não é máo, porem pode ahi fazer-se vantagens, visto que, em quanto ahi estive, nunca me animei a gastar dinheiro. Respondo.

Se todos soubessem porque se dava essa falta, ficariam contentes, porem não é cousa que todos devam saber.

Direi somente, que esta falta não provem da terra, que é propria a produsir bons generos quando bem cultivada, como sejam: Algodão, canafistula, madeira de diversas cores, piteira,[NCH 86] tinturas de urucú, de cramesim, pimentas longas, lapis-lazuli, cobre, prata, oiro, pedras preciosas, plumas, passaros de diversas cores, macacos, macacos-monos, e saguins, e especialmente assucares, quando si levantarem engenhos e plantarem cannas.

Si nada de lá se trouxer (callando o que si deve dizer em publico) provem da má direcção dos negocios, cuidando cada um de si, o que tem feito com que haja pouco sortimento de mercadorias francezas, necessarias aos selvagens, e pelas quaes dão algodão, tinturas, pimentas, e outras coisas similhantes, alem de outros generos, que por si mesmo possam obter os francezes.

Vendo os selvagens a pobresa dos armazens, onde apenas haviam mercadorias para com ellas si comprar farinha, ficam preguiçosos, nada fazem e nem farão emquanto os francezes não tiverem coisa alguma a dar-lhes em recompensa: tal é o seo genio e assim o farão, e por isto não merecem censura, por que em todo o Christianismo não si encontra um só homem, que trabalhe de graça.

Não vos admireis si nada tragam, e sim si na primeira viagem conduzirem comsigo alguma coisa.

Não me prendo as rasões ja ditas, e outras, que callo, e sim no caso de provêr-se á esta falta, como convem, eu vos asseguro que a Ilha e suas circumvisinhanças ainda produzirão bons estofos.

Tendo satisfeito a todas as perguntas e objecções sinto repugnancia em responder a muitos mancebos, que por bens de fortuna somente possuem a espada e o punhal, mais que ricos de coragem cortam muitas vezes a garganta uns dos outros, e vão em companhia para um paiz bem triste, onde navio algum vae levar novidades.

Desejaria perguntar-lhes — que fazeis em França senão esposar questões de vossos irmãos mais velhos? Porque não experimentaes fortuna, ou ao menos porque não ides enriquecer vosso espirito com a vista de coisas novas? Passarieis assim o vosso tempo, em quanto si aplaca o vosso coração, e si fortalece o vosso juiso: prestarieis serviço a Deos e ao vosso Rei visitando esta nova França.

Ahi descobrireis novas terras, achareis alguma coisa de valor, como sejam pedras preciosas etc., e quando mais não fosse, bastaria que, quando voltardes, não ficasseis mudo nas reuniões, porque aquelle que viaja tem sempre ganho o seo pão.

As cinzas e os fogões são para os cazeiros, creados por Deos para cultivar a terra.

A nobresa n’este mundo tem outro fim, e qual é elle? o de empregar vossos esforços e trabalhos para dilatar o reinado de Deos, ajudar os Apostolos de Jesus Christo a chegarem aos fins para os quaes são enviados, isto é, para augmento do sceptro e da corôa de vosso principe, e morrer por estas duas empresas — é morrer em leito de honra.

Vós me respondereis — mas sob que ordens e porque meios? Minha penna, senhores, não pode ir mais longe. Fiz o que devia e o resto ignoro.

Espero portanto, que Deos inspirará aquelles, que tudo podem, á favor da perfeição de tão alta empresa.