Em 1840 sobem ao poder, com o gabinete da Maioridade, de 23 de Julho, os liberaes em todo o imperio, e conseguintemente os chimangos na Provincia.
Mas esse gabinete, não obstante ser composto dos vultos mais proéminentes do partido dominante[1], mal poude viver uns oito mezes, e menos ainda na Provincia, onde a noticia chegára um pouco retardada, de modo que o major João Facundo de Castro Menezes, nomeado vice-presidente, só poude assumir a administração e iniciar a derrubada a 9 de Setembro.
Os chimangos, apenas reassumiram o poder, publicaram, ad instar dos caranguejos, o Vinte e Trez de Julho, da data do novo ministerio.
A 23 de Março 1841 já os conservadores organisavam gabinete, mas os caranguejos só começaram a gozar das doçuras do poder a 9 de Maio, quando assumio a administração da Provincia o general José Joaquim Coelho, depois Barão da Victoria[2].
Dão perfeita idéa dos desmandos da situação decahida os seguintes trechos do Relatorio, com que o novo gabinete fundamentou perante a Corôa o pedido de dissolução da Camara dos Deputados recentemente eleita no dominio liberal:
« O Brazil inteiro, Senhor, se levantará para attestar que em 1840 não houve eleições regulares. São irregularmente suspensas (até mesmo em massa) autoridades, cuja adhesão é suspeita ou duvidosa; ordens com prevenção lavradas são confiadas aos agentes, que presidem á empreza eleitoral, para remover obstaculos e impedir que predomine a vontade publica; empregados publicos são collocados na dura collisão de optar entre o sacrificio da sua consciencia e o pão de seos filhos; operarios de repartições publicas, soldados, marinheiros de embarcações de guerra são constrangidos a levar á carga cerrada, em listas que lhes são impostas, um voto de que não tem consciencia; agentes subalternos da menor moralidade, e autorisados para proceder como lhes aprouver, arregimentam e armam indivíduos, cujos direitos são mais que contestaveis, cuja nacionalidade mesmo é duvidosa, e muitos dos quaes, não pertencendo ás parochias, não tem nellas voto; estes regimentos invadem os templos, arrancam das mezas com violencia, e rasgando-lhes as vestes, cidadãos que para as compôr haviam sido chamados, e os substituem por outros á força; expellem dos mesmos templos com insultos e ameaças cidadãos pacificos,
que ahi concorrem para exercer um dos maispreciosos direitos do cidadão livre, qual o de eleger os seos representantes. E se estes regimentos não bastam, se o cidadão não se acobarda, a um aceno d’aquelles agentes, obedecidos pela força armada, são accommettidos os templos, profanados por bayonetas, e corre o sangue brazileiro! »[3]
Por aviso do ministerio do imperio de 5 de Fevereiro de 1842 já o governo havia declarado que a representação, que se acabava de eleger, não era digna de subir á presença do Imperador, e pelo Decreto de 1.º de Maio seguinte foi dissolvida essa Camara.
O Decreto de dissolução, diz Abreu e Lima, que não pode ser suspeito aos liberaes, foi lido perante a Camara entre 10 e 11 horas d’amanhã e ouvido com o mais profundo silencio. Passada meia hora estavam desertas a Camara e as galerias: nenhum signal houve de desapprovação, sem embargo de ser esta uma medida violenta, e que se empregava pela primeira vez depois da Constituinte. [4].
Emfim futuros historiadores poderão com justiça da posteridade averiguar até que ponto foi util e necessario nesse periodo da infancia e da organisação do Brazil que o poder fosse exercido antes por estadistas sectarios do principio da autoridade do que pelos partidarios de
um liberalismo mais ardente e generoso do que reflectido, e sobretudo applicavel ás circumstancias do paiz n’aquella epocha de exaltação e anarchia [5].
Pelo que diz respeito á Provincia, não pode ser mais completa e desesperada a reacção operada pelo vice-presidente major Facundo, hoje sò attenuada pela exageração partidaria commum a todos n’aquelles tempos.
O proprio presidente, senador Alencar, teve a condemnavel imprudencia, que lhe ia sahindo bem cara, de ir pessoalmente a Sobral render a força publica que lá estava destacada.
A assembléa provincial, exagerando a situação em proveito dos amigos, commetteu ainda maior imprudencia, votando a lei n.º 220 de 29 de Dezembro, suspendendo por espaço de 31 dias as garantias especificadas nos §§ 6, 7, 8, 9 e 10 do art. 179 da Constituição do Imperio, e autorisando o presidente da Provincia a tomar as medidas exigidas pela segurança publica.
E a imprensa liberal excedeo-se tanto, penetrando até no lar domestico para esganar a vida privada de uma matrona respeitavel, a ponto da vindicta particular reputatar-se com bastante rasão para roubar ao partido chimango e á familia numerosa e illustre, na noute aziága de 8 de Dezembro de 1841, a vida preciosa do seo prestimoso chefe que, como quasi sempre acontece, pagou dessa vez bem caro o mal que não fez.
Era, portanto, uma das principaes missões do novo administrador dar força á autoridade, pondo em execução a lei de 3 de Dezembro, que acabava de ser promulgada.
Então pela primeira vez foi Ferreira honrado com uma nomeação official — 6.º supplente do delegado de policia do termo da Capital[6], cargo que acceitou e de que nunca foi demittido nem pedio demissão, chegando
em virtude delle a assumir algumas vezes o exercícioda delegacia, e uma dellas, a 3 de Setembro de 1856, a ser encarregado do expediente da secretaria de policia na ausencia do respectivo chefe de policia.
Coube-lhe tambem esse anno ainda a honra de exercer o mandato de vereador da camara municipal da Fortaleza; facto este a que se prende um dos episódios mais interessantes da nossa historia política e da sua vida publica, e que por isso mesmo precisa de ser bem explicado, para que inexactas e apaixonadas versões não tomem no futuro o logar da verdade.
Os chimangos tinhão ganhado em toda a Provincia as eleições de deputados geraes para a legislatura de 1842, mas empregando a mais forte compressão contra a liberdade do voto, como ficou demonstrado.
Os caranguejos, preteridos em seos direitos, quasi como em desespéro de causa, reuniram-se no collegio central do Saboeiro, que aliás ainda não era freguezia, e apuraram a eleição, que haviam figurado feita na freguezia de S. Mathéos com 1100 eleitores tantos quantos eram precisos para cobrir-se toda a votação dos demais collegios da Província.
Apurada a votação destes, serião eleitos: Manoel do Nascimento, P.e Carlos Augusto Peixoto de Alencar, Vicente Ferreira de Castro e Silva, P.e José Ferreira Lima Sucupira, Dr. Francisco de Salles Torres Homem (Visconde de Inhomerin), Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, Tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti e Joaquim Ignacio da Costa Miranda. Todos chimangos.
Apurada, porem, a unica eleição de S. Mathéos, o resultado seria todo favoravel aos caranguejos: Drs. Miguel Fernandes Vieira, André Bastos de Oliveira, Francisco de Souza Martins, Manoel José de Albuquerque, José Pereira da Graça (Barão do Aracati), Antonio José Machado, P.es José da Costa Barros e Antonio Pinto de Mendonça.
O presidente da Provincia ordenou, por officio de 5 de Fevereiro e 10 de Março, á Camara da Fortaleza que apurasse a eleição de S. Mathéos, e expedisse diplomas aos deputados eleitos; mas não foi obedecido, pelo que suspendeu-a, mandando juramentar e empossar os immediatos em votos.[7]
Eram estes todos caraguejos, em cujo numero jà se encontrava o nome de Ferreira, e foram todos juramentados e empossados.[8]
Logo na sessão de 1.º de Abril Ferreira, no começo dos trabalhos, apresentou a seguinte indicação: « Indico que esta Camara proceda á nova apuração para Deputados que tem de servir na 5.ª legislatura, por isso que a procedida pela Camara transacta contém notas inexactas no corpo da acta da mesma, o que a lei não permitte; e depois de legalmente apurados se remettam diplomas aos Deputados, que nella obtiveram a maioria doa votos. »
Esta indicação foi approvada, procedeo-se á nova apuração, sendo eleitos os candidatos caranguejos que receberam ajuda de custo. [9]
Muito exacerbou os chimangos esta apuração, que ainda hoje proclamam como escandalo inaudito, sem se lembrarem que esse escandalo não passou de simples e merecida represalia a outros, sem duvida, maiores. Abyssus abyssum invocat.
Nem o facto era virgem. O exemplo, os liberaes mesmos já o haviam dado em outras províncias.
No seo Relatorio, apresentado ao parlamento em 1837, o ministro da justiça Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté) já referia alguns, como o de figurar votando no collegio do Lagarto, em Sergipe, composto apenas de cinco freguezias, 3627 eleitores! A votação dos districtos de Piancó e Souza, na Parahyba , supplantou pelo numero, diz o ministro, os votos de todo o resto da Provincia, e só nomeou a deputação! pelo que o governo, de sua propria autoridade, annulou a eleição dos Deputados dessa Província, como consta do Decreto de de Março de 1837.[10]
E’ verdade que um mal não justifica outro, mas sem duvida nenhuma o attenua muito, e tira a quem o pratica o direito de queixar-se da represália , que é um direito incontestavel dos que soffrem.
Quem semêa ventos não deve surprender-se de colher tempestades.
Em todo caso não devemos estygmatisar esse passado,
que merece antes ser levado á conta da exaltação de tempos anormaes e do meio inculto e rude então predominantes.Virtude civica havia ahi a apreciar — essa hombridade de cavalheiro, que não recusa o combate com armas brancas e a peito descoberto, nem a plena responsabilidade dos proprios actos.
Era isso que fazia de Ferreira um politico singular e adoravel: nas grandes crises era seo o posto mais arriscado; assim como sua palavra, quer aspera quer amiga, sempre a expressão purissima e convencida de suas intenções, um evangelho de verdade.
Não tinha os detestaveis refolhos de Tiberio que, na phrase de Tacito, externava nos labios o contrario do que guardava no coração. Aliud in lingua promptum, aliud in peclore clausum.
Com a morte levou a certeza de que ninguem, gregos e troyanos, jamais ousou duvidar da sua lealdade.
Por isto os amigos o idolatravam, oa adversarios o respeitavam e todos o admirvam.
- ↑ Este gabinete compunha-se de: Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, Imperio: Antonio Paulino Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté), Justiça; Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Fazenda: Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho (Visconde de Sepetiba), Estrangeiros; Antonio Francisco de Paula Hollanda Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Albuquerque), Marinha; e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Suàssuna), Guerra.
- ↑ Nomeado por Carta Imperial do 1º de Abril de 1841.
- ↑ Este importante documento tem a data do 1.º de Maio de 1842, e se encontra na "Historia da Revolução de Minas", pelo conego José Antonio Marinho, e nas Fallas do Throno, pelo conselheiro Pereira Pinto, Pag. 332.
E’ assignado por todo ministerio, composto do: Marquez de Paranaguá (Francisco Villela Barboza), Marinha; Candido José de Araujo Vianna (Marquez de Sapucahy), Imperio: Paulino José Soares de Souza (Visconde de Uruguay), Justiça; Miguel Calmon Du Pin e Almeida (Marquez de Abrantes), Fazenda; Aureliano de Souza Oliveira Coutinho (Visconde de Sepetiba), Estrangeiros; José Clemente Pereira, Guerra.
- ↑ “Synopsis ou Deducção Chronologica dos Factos mais notaveis da Historia do Brazil,” Pag. 387.
- ↑ Mello Mattos, "Paginas d’Historia Constitucional do Brazil,’ Pag. 60.
- ↑ Nomeado por Portaria de 18 de Março de 1812.
- ↑ Portaria: — Devendo todas as autoridades da Provincia prestar obediencia ao Presidente, por serem subordinadas á vista do art. 1º da Lei de 3 de Outubro de 1834. e tendo a Camara da Capital deixado de cumprir a ordem que lhe fora transmittida em officios ns. 25 e 30 do governo da Provincia, claro está que se acha incursa no art. 154 do Cod. Crim.; e por isto o Presidente da Provincia, usando da faculdade que lhe outorga o § 8 do art. 5 da sobredita lei de 3 de Outubro de 1831, suspende dita Camara, que convocará os supplentes, que a devem substituir, e lhes deferirá o juramento do estylo. Assim se cumpra. Palacio do Governo elo Ceará em 12 de Marco de 1842. José Joaquim Coelho.
- ↑ Acta da Sessão Extrordinaria de 22 de Marco de 1812. — Presidencia do Snr Xavier Nogueira. — Presentes os Snrs. José Antonio Machado, João Baptista da Cunha, José Theophilo Rabello, Antonio Rodrigues Ferreira, Francisco Fidelles Barrozo, e Miguel Joaquim Fernandes Barros, o Snr Presidente, Francisco Xavier Nogueira fez ver que por ordem do governo da Provincia tinha convocado os Snrs. Vereadores para lhes deferir juramento e tomarem posse, por ter sido suspensa a de que elle fazia parte; e por não comparecer o Secretario nomeou o Snr. Presidente interinamente o Snr Barros, e depois de deferir juramento e empossar os Snrs. Vereadores acima mencionados se retirou, tornando a presidencia o Snr. Machado, por ser o mais votado
- ↑ Pompêo, "Apontamentos para a Chronica do Ceará," Pag. 12, e "Ens Est.," Tom. 2º, Pag. 317.
- ↑ Vide "Systema Eleitoral do Brazil" em Francisco Belisario Soares de Souza. Parte, 2.ª, Pag. 47.
A eleição conservadora foi annullada pela Camara dos Depulados; mas com a dissolução desta perderam tambem os liberaes a sua.