36. BOLA-BOLA

Havia perto de uns mattos uma casa onde viviam trez irmãs, que eram muito amigas. O rei costumava ir caçar áquelles mattos, e passava sempre pela casa; ora defronte d’esta casa viviam duas feiticeiras, mãe e filha, que, invejosas da formosura da irmã mais nova e do modo como tratava as irmãs mais velhas, lhe levaram uns coentros e lhe disseram:

— Deite a menina estes coentros nas sopas de suas irmãs, mas não coma d’ellas.

A pequena na sua sinceridade assim fez; mas logo que as irmãs comeram aquillo, logo se tornaram em bois. A irmãsinha muito pesarosa tratou-os como se fossem gente. Passando o rei da caça viu a pequena, e agradado da sua formosura casou com ella e levou os bois para o palacio, tratando-os muito bem. A feiticeira sabendo isto prometteu vingar-se. Passados tempos, a rainha teve um menino, estando o rei na caça. Ouvindo isto a feiticeira foi com a sua filha e foi ter á rainha e lhe disse:

— Coitadinha! está tão doentinha!

E chegando as mãos pelas fontes lhe metteu dois alfinetes enfeitiçados. A rainha tornou-se em pomba e fugiu. A feiticeira metteu a filha na cama e foi-se embora. Chegando o rei, disse:

— Que é isto, que estás agora tão feia?

— É a differença da doença.

E a feiticeira mandou tratar os bois com folha e herva, e elles nada comiam. Havia no palacio uma cadellinha chamada Bola-Bola, e fallava. A pombinha vinha e dizia:

— Bola-Bola!

Respondia a cadella:

— Que quer, minha senhora?

«Como vae o meu menino

Com a sua ama nova?


— De noite, cala-se,

E de dia chora.

Tantas vezes se repetiu isto, que o vieram a saber, e foram dizer ao rei, o qual mandou enviscar as arvores e apanharam a pomba. Indo o rei fazer-lhe festas, achou dois alfinetes na cabeça e puchou; ella tornou-se na verdadeira rainha. O rei obrigou as duas feiticeiras a tornarem os bois nas duas irmãs, que eram suas cunhadas; assim fizeram, e depois mandou-as rolar ás duas feiticeiras n’umas pipas de pregos. E o rei e a rainha foram muito felizes d’ali por diante.

(Ilha de S. Miguel—Açores.)


Notas editar

36. Bola-bola. — Liga-se com o conto das Tres Cidras do Amor. Vid. n.º 46.