Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Minha mãe, calçotes


155. MINHA MÃE, CALÇOTES

Perto da cidade do Porto, onde chamam Paço de Sousa, havia um pobre homem que tinha seis crianças, entre filhos e filhas, de que alguns eram de dezesete ou dezoito annos, e d’ali para baixo. E tendo-os derredor de si um serão, sobre ceia de borôa e castanhas, de redor do lume muito contentes, olhou pera elles, e viu-os taes, que o melhor arroupado, se tinha camisa não tinha pellote, e se pellote, sem mangas, e se mangas sem fralda, e todos descalços e sem barrete nem coyfas; assi que todos se cobriam com fato, que pera bem não bastava a hum, e esse muito velho e esfarrapado, que quasi não prestava. E vendo-os taes, disse á mulher:

— Ouvis? lembre-vos ámanhã, se nosso Senhor quizer, que peçaes a minha comadre Briolanja de Payva huma quarta de linhaça emprestada; semeal-a-hemos, e com ajuda de Deus, averemos linho, de que façamos no verão calçotes para estes cachôpos.

Os filhos, tanto que o ouviram, saltando no ar com muito prazer, diziam uns aos outros rindo:

— Ai, calçotes, mana! Ay calçotes!

Tanto riram e folgaram, estando ainda nús, que o pae disse:

— O dou ao demo a canalha; que, como se sentem vestidos não ha quem possa com elles.

(Trancoso, Contos, P. i, conto x. Ainda se repete na tradição popular do Porto.)


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