ESPAÇO (Topologia, elemento estrutural de uma obra de arte) → Utopia
O termo latino spatium, corresponde à palavra grega "topos" (tópico, atópico, utópico, topografia etc.), sendo, como o tempo com o qual está intimamente conectado, uma construção lógica que expressa relações baseadas na experiência existencial. Enquanto a categoria do tempo tem como objeto o estudo da "continuidade", cujo limite seria o "eterno", o espaço é formulado a partir do princípio da "extensão", englobada num "infinito". O espaço indica a distância entre dois pontos, áreas ou volumes, conforme limites determinados, sendo o meio — exterior ou interior — no qual tudo se move. Ele, com suas coordenadas e eixos direcionais, representa a ordem do Cosmos, em oposição à desordem do Caos. É objeto de estudo de várias disciplinas: filosofia, religião, astronomia, astrologia, navegação, geometria, psicologia. Também nas artes plásticas, o estudo da categoria do espaço tem sua relevância. Para o estudo do texto literário, a determinação do componente espacial é tão importante quanto a percepção da categoria temporal. A espacialidade, tomada como instrumento de análise de uma obra de arte, pode apresentar vários aspectos. Em primeiro lugar, é preciso reparar numa espacialidade dimensional, distinta de um espaço incomensurável, difuso, infinito. Outra noção é da horizontalidade, própria do espaço humano ou natural, em oposição à verticalidade, mais direcionado para o alto, onde estaria o espaço divino ou sobrenatural. Todavia, os conceitos de "alto", relacionado com os deuses superiores ou celestes, com as divindades benfazejas, e de "baixo", referido aos deuses do mundo subterrâneo, às divindades maléficas ou demoníacas, aplicam-se também ao espaço humano, onde se distinguem as partes superiores, tidas como nobres, e as partes inferiores, consideradas ignóbeis: cabeça, em relação aos pés, atmosfera, em relação ao subsolo etc. O espaço humano distingue-se também pela sua topicidade: "tópico" é o lugar conhecido, onde se vive em segurança; "atópico" é o espaço estranho; "utópico" é o imaginário. A expressão "espaço tópico", em si, é uma redundância pois, como já foi dito, topos, em grego, já significa "espaço"; mas essa terminologia metalingüística, além de distinguir o tópico do atópico e utópico, possibilita uma tipologia espacial conforme uma escala progressiva, indo de um lugar genérico até ao espaço de máxima intimidade: país, cidade, bairro, rua, casa, quarto, cama, útero. Segundo a terminologia de Gaston Bachelard, o espaço tópico é o espaço conhecido, familiar, da felicidade, enquanto o atópico é o espaço hostil, por ser o espaço desconhecido, da aventura, que atrai pelo fascínio do mistério: é onde vive o inimigo da sociedade (florestas, montes, mares, cavernas); o espaço do sofrimento e da luta. O espaço utópico, enfim, é o lugar da imaginação e do desejo: o céu, por exemplo (Urano, Olimpo, Paraíso). Outro tipo de espaço, o não-dimensional, apresenta a oposição do espaço interior ou fechado e do espaço exterior ou aberto. O espaço interior é o espaço subjetivo, do eu que fala, o espaço da enunciação (→ Discurso); o espaço exterior refere-se ao mundo dos objetos, ao enunciado (→ Mito). Evidentemente, todo texto literário, como qualquer obra de arte, possui seu espaço, na medida em que encerra um pedaço da realidade, estabelecendo uma fronteira entre ela e o mundo imaginário. O espaço da ficção constitui o cenário da obra, onde as personagens vivem seus atos e seus sentimentos. As descrições de cidades, ruas, casas, móveis etc. funcionam como pano de fundo dos acontecimentos, constituindo índices da condição social da personagem (rica ou pobre, nobre ou plebéia) e de seu estado de espírito (ambiente fechado = angústia; paisagens abertas = sensação de liberdade). A correspondência da isotopia espacial com o tema geral da obra se dá particularmente na estética do Realismo, que confere extrema importância às influências do ambiente na constituição da psique da personagem. Em certas obras literárias, um indisfarçável determinismo leva a prever com exatidão quais são as ações e as reações do personagem, uma vez descrito seu espaço vital. Para algumas narrativas contemporâneas, o espaço adquire uma importância particular, pois os objetos são descritos em si, independentemente da referência a uma ação ou a uma atitude do personagem. Pensamos na denominada "escola do olhar", que tem em Alan Robbe-Grillet, Jean Ricardou e Nathalie Sarraute seus melhores expoentes. Para esses ficcionistas, a descrição do espaço físico é fundamental, porque os objetos são os verdadeiros atores de suas narrativas e são criados pelo próprio movimento da descrição, independentemente da ligação a um personagem ou a um acontecimento. Enfim, seja qual for a obra de arte (poema, romance, quadro, estátua, monumento), é fundamental para captar sua significação a análise dos elementos espaciais, pois, tanto quanto o tempo, o espaço é o meio vital onde toma forma a atividade humana: nada existe fora do espaço e do tempo!