REALISMO (movimento filosófico e estético) → Positivismo

"A realidade é como é, não como gostaríamos que fosse" (Maquiavel)

Realismo vem da palavra latina res e de seu derivado realis, que significa "coisa", matéria, substância ou fato. O termo designa as obras de arte modeladas em estreita imitação da vida real e que retiram seus assuntos do mundo circunstante, encarado de maneira objetiva, fotográfica, documental, sem participação do subjetivismo do artista. No âmbito literário, o Realismo surge em oposição à alienação dos ultra-românticos, propondo uma nova estética, que apregoa a descrição exata da realidade física e humana, através da anotação dos pormenores e com a máxima verossimilhança, sem a distorção do subjetivismo, do sentimentalismo e das visões fantasistas e alucinatórias dos românticos. Num sentido amplo, o Realismo sempre existiu, como bem demonstrou Auerbach na sua famosa obra Mímesis, cujo subtítulo é "A representação da realidade na literatura ocidental". Os formalistas russos , ao estudarem a estrutura e a evolução do gênero narrativo, também relevam o aspecto intemporal do Realismo na literatura. B.Tomachevski, num ensaio sobre a "Temática", salienta que em qualquer texto literário existem "motivações realistas", pormenores que têm a finalidade de apresentar a ficção como se fosse verdade. A verossimilhança é uma exigência quer do leitor ingênuo, quer do leitor informado, e toda escola literária nova surge em oposição à anterior, já estereotipada, sempre em nome de uma maior aderência da arte com a realidade. R. Jakobson, no seu artigo "Do Realismo artístico", evidencia a relatividade da noção de Realismo, pois a verossimilhança numa obra literária pode ser julgada a partir de várias perspectivas internas ou externas ao texto. A verdade é que a concepção clássica da arte como "mimese", imitação de uma realidade, objetiva ou subjetiva que seja, resta como um axioma, uma verdade indiscutível, válida para qualquer escola literária, pois nada vem do nada ou, como diria Lavoisier, "nada se cria e nada se destrói, tudo se transforma". O que, propriamente, muda é apenas o tipo ou o grau de realismo.

Mas, num sentido estrito, como movimento ideológico e postura estética, só na segunda metade do século XIX o Realismo se afirmou em oposição ao Idealismo romântico, impondo aos artistas representar a pintura dos humildes e a baixeza da realidade do dia-a-dia. O marco inicial do Realismo na literatura foi a publicação, em 1857, do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, onde se conta a história trágica da protagonista Ema, que, insatisfeita com seu casamento tedioso, alimenta sonhos românticos, entregando-se ao adultério. A publicação do romance Madame Bovary acarretou um processo ao autor por ofensa à moral. Flaubert se justificou apelando pelo direito da liberdade da arte. Charles Dickens (1812–1870) é o maior escritor do Realismo na Inglaterra. Em sua obra mais famosa, David Copperfield, espécie de autobiografia ficcional, descreve a vida cotidiana dos pobres do seu país, criticando as instituições sociais por não promoverem o bem da coletivide. Já o Naturalismo, que se sucedeu, não é apenas um prolongamento ou exagero do Realismo, pois o movimento tem como sustento uma teoria peculiar, de cunho científico, que nos dá uma visão materialista do homem, da sociedade e do mundo. Em literatura, sustenta-se a tese de que a arte deve conformar-se com a natureza cósmica e humana, utilizando-se dos métodos científicos de observação e de experimentação no tratamento das ações fictícias e das personagens.

O fundador desta teoria estética foi Émile Zola que, na sua obra Le roman expérimental, publicada em 1880, afirma: "O romance experimental substitui o estudo do homem abstrato e metafísico pelo homem natural, sujeito a leis físico-químicas e determinado pela influência do meio". Deixando para verbetes específicos o estudo dos maiores escritores do Realismo-Naturalismo na Europa ( (Balzac, Zola, Eça, Dostoievski, Tolstoi), apontamos as características fundamentais da escola, no tocante às coordenadas estéticas e aos conteúdos ideológicos:

1) Compromisso com a verdade: o movimento artístico da 2ª metade do séc. XIX chegou ao grau máximo da verossimilhança na escolha e no arranjo estético do material ficcional. Retomou a concepção mimética da arte clássica (→ Mímese), mas sem a idealização e o caráter universalizante desta. Não por nada o termo italiano correspondente ao Naturalismo é "Verismo": a arte como expressão da verdade. Visando o particular, o patológico, o anormal, a estética realista retrata o que é, não o que gostaríamos que fosse. Repudia, portanto, o fantástico, o extraordinário, o sobrenatural, elementos característicos da estética romântica.
2) Interpretação da vida: o artista realista não apenas documenta a realidade, mas procura compreendê-la, descobrir o sentido das ações e dos temperamentos humanos. Trata-se, portanto, de uma estética utilitarista, porque moralizante: existe a crença de que o homem, uma vez descobertas as causas biopsíquicas e ambientais que determinaram certas ações e comportamentos, está no caminho certo para evitar os efeitos degradantes.
3) Contemporaneidade: diferentemente das estéticas clássicas e românticas, que privilegiam os tempos passados e os espaços exóticos ou utópicos, o Realismo está preocupado com o hic et nunc, o aqui e o agora. A arte tem que descrever o que acontece atualmente nas minas, nas fábricas, nos cortiços, nas cidades, na política, nos negócios, nas relações conjugais. Qualquer motivo de conflito do homem com o seu ambiente pode ser assunto artístico. O protagonista preferido é o homem comum, vítima de taras hereditárias ou de condições ambientais desfavoráveis, e não o herói de origem nobre ou divina.
4) Descrição de caracteres: a estética clássica, seguindo a opinião de Aristóteles de que a fábula é mais importante do que os personagens, pois são as ações que determinam os caracteres, sempre sobrevalorizou a estrutura do enredo; a estética realista, contrariamente, dando enorme relevância aos fatores ambientais e hereditários na formação da personalidade humana, privilegia o retrato fiel dos personagens em detrimento da fábula, considerando que as ações são meras decorrências dos fatores temperamentais e de circunstâncias ambientais.
5) Detalhismo e lentidão: a descrição de pormenores é a técnica específica de que se serve a arte realista para retratar fielmente a realidade. Para descobrir as causas psíquicas e circunstanciais que determinaram certas ações ou para alcançar os meandros dos conflitos existenciais, o escritor procede lentamente, analisando cuidadosamente elementos espaciais e temporais, posto que estes são determinantes do comportamento dos personagens.
6) Preocupação com a forma: a obra de arte realista tem como destinatário não uma elite intelectual, mas grandes camadas sociais. Utiliza, portanto, uma linguagem simples, depurada de barbarismos ou arcaísmos. O extremo cuidado com a forma leva o escritor realista a respeitar as normas gramaticais e sintáticas na formulação de períodos facilmente inteligíveis e a evitar figuras de estilo difíceis ou obscuras. Também na escolha dos gêneros literários, não inova, optando pelas formas já consagradas pela preferência popular: o romance e o conto.

No Brasil, no período do Realismo, a prosa de ficção chega ao apogeu de sua expressão artística. A moda européia do Naturalismo encontra aqui um bom campo de aplicação, modificando quer o estilo narrativo, quer a temática. A prosa de tom lírico, retórico ou declamatório, feita de belas descrições e de metáforas de grande efeito, é substituída por uma narrativa de estilo seco, direto, sem torneios, imitando a fala cotidiana e regional. As fábulas não vertem mais sobre assuntos históricos, sentimentais ou indianistas, mas sobre episódios pseudo-reais ou verossímeis. Comum a quase todos os escritores brasileiros desta época é o intuito de descrever, por um método objetivo, quase científico, a luta inglória do indivíduo contra as forças da natureza, do instinto e do meio ambiente degradante. Isto se pode perceber pela leitura de A carne, de Júlio Ribeiro; O cortiço, de Aluísio Azevedo; Bom crioulo, de Adolfo Caminha; Dona Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva; O missionário, de Inglês de Sousa; Luzia-Homem, de Domingos Olímpio; O ateneu, de Raul Pompéia, narrativa esta de tipo "memorialista", cujo subjetivismo e psicologismo já denota a presença de elementos da estética simbolista. Mas o maior escritor da época do Realismo é, sem dúvida, Machado de Assis, a quem dedicamos um verbete próprio.