GÓNGORA (poeta espanhol) → Barroco

"Goza cuello, cabello, labio y frente...
antes que lo que fue....se vuelva...
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada."

D. Luis de Góngora y Argote (1561–1627) é o maior poeta lírico do barroco europeu, dando nome a uma nova escola poética, o "gongorismo". Sua produção literária divide-se em duas partes não separadas cronologicamente: uma lírica popular, de origem autóctone, composta por poemas pequenos e metros curtos (letrillas e "romances"), em que o poeta espanhol descreve a vida cotidiana com fina ironia, e uma lírica aristocrática, de influência italiana, extremamente culta e, em algumas passagens, até hermética, em que Góngora, através de poemas longos em versos decassílabos, idealiza os sentimentos mais profundos do ser humano, em busca de uma beleza absoluta e, portanto, irreal: fábula de Polifemo y Galatea, Soledades, Sonetos. O peculiar estilo poético de Góngora, que suscitou e suscita polêmicas apaixonadas entre admiradores e denegridores, apresenta, além de neologismos de origem greco-latina e de abundantes reminiscências mitológicas e bíblicas, uma sintaxe complexa, onde predominam as inversões e os anacolutos. Mas é na construção das metáforas e no abundante uso das hipérboles que o gênio de Góngora se revelou melhor, revolucionando a linguagem poética da época. Para produzir o efeito de estranhamento, o poeta espanhol encontra insuspeitados parentescos entre os objetos mais diferentes, transformando as montanhas cobertas de neve em "gigantes de cristal", o mar em "úmido templo de Netuno", o galo em "doméstico del Sol nuncio canoro". Se a lírica de Góngora, e do Barroco em geral, está ainda ligada à estética renascentista (→ Renascimento) pelo uso da mitologia greco-romana, pelo bucolismo e pela exploração de muitos temas e motivos clássicos, dela se distancia pelas sutilezas estilísticas, que contrastam com a grande simplicidade formal do Classicismo. Góngora, expressão máxima do espírito da sociedade aristocrática do século XVII, cansado da concepção de beleza como clareza, harmonia de formas e racionalidade, segundo os cânones estéticos da Renascença, aspira a um tipo de beleza diferente: oximórica, enigmática, transcendental. Como exemplo de sua poesia, que caracteriza toda a lírica barroca, apresentamos seu mais famoso soneto, onde é retomado o tema horaciano (→ Horácio e Epicuro) do carpe diem ("aproveitar o momento presente"):

Mientras por competir con tu cabello,
oro bruñido, el Sol relumbra en vano,
mientras con menosprecio en medio el llano
mira tu blanca frente el lírio bello;

mientras a cada labio, por cogello,
síguen más ojos que al clavel temprano,
y mientras triunfa con desdén Lozano
de el luciente cristal tu gentil cuello;

goza cuello, cabello, labio y frente,
antes que lo que fue en tu edad dorada
oro, lilio, clavel, cristal luciente,

no sólo en plata o viola truncada
se vuelva, mas tú y ello juntamente
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.

Antes de analisarmos este soneto, convém fazer referência a uma questão de edóctica. Em algumas edições gongorinas aparece uma variante no segundo verso da primeira quadra: em lugar de "el", encontra-se "al" Sol. O sujeito de "relumbra", não seria "el Sol", mas "oro bruñido". Optamos pelo texto da edição Aguilar porque nos parece mais lógico sintática e semanticamente. Com efeito, a forma "el Sol" estabelece, na mesma quadra, um paralelo sintático com "el lilio". Além disso, a falta do artigo determinativo leva-nos a considerar "oro bruñido" mais como aposto de "cabello" do que como sujeito de "relumbra". Do ponto de vista do sentido, entendemos que a imagem poética, que compara o cabelo cor de ouro da amada com a luz do Sol, é mais original do que a metáfora de uso do cabelo da mulher comparado ao brilho do ouro. A composição deste soneto de Góngora apresenta um único período sintático, existindo apenas um ponto final no término do poema. O verbo da oração principal encontra-se lá em baixo, no início do primeiro terceto, "goza", que é um imperativo exortativo, dirigido aos quatro elementos do corpo da amada, descritos nas duas quadras anteriores: colo, cabelo, lábio e fronte. As duas quadras revelam um mesmo campo fônico, pelo mesmo esquema rímico ABBAABBA, e uma estrutura sintática paralelística, pois todos os versos ímpares começam pelo advérbio temporal "mientras". As quatro orações subordinadas adverbiais temporais (duas em cada quadra) estabelecem comparações de superioridade entre elementos do corpo da amada e elementos da natureza: o cabelo é mais loiro do que a luz do Sol; a fronte é mais branca do que o lírio; os lábios são mais vermelhos do que o cravo; o pescoço é mais reluzente do que o cristal. Os dois tercetos, rompendo o paralelismo fônico, sintático e semântico das quadras, em que se deu a "descrição" da beleza da amada, apresentam uma exortação ao gozo da juventude antes que a idade madura ou a velhice façam murchar o fruto delicioso da mocidade. O tema do aproveitamento do momento presente, pois o tempo passa irreparavelmente, é muito antigo na lírica ocidental. Encontramo-lo na poesia grega e na literatura em língua latina, onde a expressão collige, virgo, rosas se tornou até proverbial: a juventude é comparada metaforicamente a uma flor que se estraga se não for colhida no tempo apropriado. Em Góngora, esse motivo tópico é revestido de peculiaridades estilísticas e ideológicas próprias do Barroco: o exagero do elemento metafórico (os cabelos da amada são mais luminosos do que a luz do sol, etc.); o cromatismo das palavras e o prestígio dos metais preciosos (a exaltação do ouro com relação à prata); a descrição decrescente dos elementos corporais da amada (do cabelo ao pescoço). Mas o que mais distingue este soneto de um poema renascentista é a velada presença da morte, pela qual o prazer se reveste de amargura. O último verso, de uma beleza inigualável pela enumeração decrescente, que vai do elemento mais sólido (terra) ao elemento imaterial (nada), passando por elementos aeriformes (fumo e pó) ou sem consistência alguma (sombra), faz com que a alegria do gozo da juventude seja perturbada pelo sentimento da efemeridade da vida e da chegada irremediável da morte, que tudo aniquila. É visível aqui a influência da ideologia do Concílio de Trento (Contra-Reforma → Lutero) sobre o grande poeta espanhol. Góngora traduz em linguagem poética a advertência contida na reza da Quarta-Feira de Cinzas: "lembra-te, o homem, que nasceste do pó e em pó te converterás!".