BARROCO (estilo de arte e de vida do séc.XVII)

O nome "barroco" só recentemente passou a indicar a corrente artística que predominou na Europa durante o séc. XVII (Seiscentos) e que, em países e em épocas diferentes, tivera originariamente outras denominações: Marinismo, na Itália; Gongorismo, Cultismo, Culteranismo e Conceptismo, na Espanha; Preciosismo, na França; Silesianismo, na Alemanha; Eufuísmo, na Inglaterra. O movimento do Barroco nasceu dentro da época clássica, em relação com a qual podem ser relevados elementos de convergências e de divergências. Os críticos que salientam as semelhanças consideram o barroco como uma continuação da Renascença; os que põem em ressalte as diferenças acham que o estilo barroco surge em franca oposição com o estilo clássico, admitindo uma ruptura estética entre os dois movimentos. Para o estudo crítico do Barroco é preciso ter em conta duas teorias fundamentais: a teoria genético-formal, segundo a qual a origem do movimento seiscentista reside num contraste estilístico entre Barroco e Renascença; e a teoria genético-social, pela qual a oposição com a Renascença, mais do que no plano estético, dá-se no campo ideológico: os segmentos sociais em que se desenvolve a arte barroca não são os mesmos da fase renascentista, pois, além de outros fatores sociológicos, o fenômeno da Contra-Reforma católica altera substancialmente a concepção de vida. A teoria genético-formal é sustentada pelo historiador suíço Heinrich Wölfflin que, na sua obra Princípios fundamentais da história da arte, publicada em 1915, apurando os estudos contidos no seu trabalho anterior, Renascença e Barroco (1888), chegou à formulação das famosas cinco categorias de antítese entre o estilo clássico e o estilo barroco: linear/pictórico; visão de superfície/profundidade; forma fechada/aberta; independência das partes/conjunto; claridade absoluta/claro-escuro. Essas oposições, na verdade, servem mais para o estudo das artes visuais do que para a análise e a interpretação de um texto literário. Borromini, na arquitetura, Bernini, na escultura, Tintoretto, Caravaggio, Rubens, Rembrandt e El Greco, na pintura, apresentam exuberâncias de formas, volutas, campos de visão distorcidos, espaços curvos e figuras angulosas estranhas à arte renascentista. Segundo Wölfflin, o gosto clássico trabalha com limites de linha claros e tangíveis (perfis, contornos); toda superfície tem seu marco de margem preciso; cada volume se apresenta como forma plenamente tangível; nada existe que não seja apreensível na sua corporeidade. O Barroco, pelo contrário, anula a linha como limitadora, multiplica as bordas, complica a forma, de modo que cada componente não consegue impor seu valor plástico. No que diz respeito propriamente à Literatura, o estilo barroco se diferencia do estilo clássico por uma renovação na linguagem e na temática. A retórica barroca utiliza de uma forma diferente o repertório das figuras de estilo já existentes na estética renascentista. A metáfora, a figura de sentido fundamental da linguagem literária, é explorada em todas as suas virtualidades, com o objetivo de encontrar semelhanças entre os objetos mais diferentes, com a intenção de despertar nos leitores a surpresa e a maravilha. As figuras de oposição semântica (antítese, paradoxo, oxímoro, antinomia), de parco uso entre os autores clássicos, são as preferidas pelos poetas barrocos. O mesmo acontece com a hipérbole (exagero de sentido), o hipérbato (a ruptura da estrutura sintática), o eufemismo (o dizer velado). O período amplo e simétrico da Renascença, construído a partir do modelo do mestre latino Cícero, é substituído pela frase curta, de índole sentenciosa, segundo o modelo de Tácito e de Sêneca, escritores latinos do início da decadência romana. Quanto à temática, o Barroco apresenta como motivo recorrente a chamada coincidentia oppositorum: a atração das coisas opostas. Exemplar, a este respeito, é a fábula de Polifemo y Galatea, do espanhol Góngora, o maior poeta do Barroco europeu. Nessa obra, o tema da bela e da fera, da ação sedutora do monstro horrível sobre a jovem de uma beleza angelical, é explorado através de imagens belíssimas, altamente líricas. A arte barroca é rica de temas desconhecidos ou desprezados pela estética clássica: a bela mendiga, o herói pícaro, o burlesco, o mesquinho, o anormal, o marginal. Mesmo quando retoma motivos clássicos, como o carpe diem, do poeta epicurista latino Horácio, o aproveitamento do momento presente face à fugacidade da vida, o autor barroco o reveste de matizes peculiares: o prazer do gozo do presente adquire o gosto da amargura, porque existe, no "eu poemático", a consciência do desencanto da vida, perante a inevitabilidade da velhice e da morte, o grande passo para a escuridão existencial. A morte e o amor, na sua expressão sensorial, matizado por um sutil erotismo, são os dois temas fundamentais da estética barroca.

Já a teoria genético-social encontra-se formulada na obra de Werner Weisbach: O Barroco, arte da Contra-Reforma. Segundo a sua tese, a ideologia do Concílio de Trento foi o fator predominante para a determinação da temática, do estilo, da sensibilidade do homem barroco que, dividido entre a concupiscência dos prazeres mundanos, herança do Renascimento, e o terror das penas do inferno, inculcado pela doutrina tridentina (Lutero), se torna um ser dilemático, angustiado. A arte barroca é caracterizada pelo choque entre a sensualidade pagã da Renascença e o espiritualismo ascético e fanático da época da Contra-Reforma. Daí resultam trágicos conflitos na alma dos homens, que provocam manifestações artísticas exuberantes e chocantes.A concepção do espaço como infinito, proveniente das descobertas marítimas e da ciência copernicana, entra em contraste com uma visão do tempo como limitação, angústia e morte .Escreve Aguiar e Silva (Teoria da Literatura), "o homem, sabendo-se simultaneamente grande e miserável, anjo e besta, eterno e transiente, sente o terror pascaliano de se saber suspenso entre dois abismos, o infinito e o nada; as antíteses violentas, a tensão da alma, o sentimento de instabilidade do real, a luta do profano e do sagrado, do espírito e da carne, do mundano e do divino são feições diversas dessa crise multiforme, religiosa, estética, filosófica, que se verifica na Europa desde meados do século XVI". Além do fator religioso, existe um aspecto mais especificamente social que funciona como determinante de estilo. O Barroco e o Classicismo estão relacionados com estruturas sociais distintas: o Barroco é o produto artístico de uma sociedade aristocrática, de tipo feudal e rural, composta de senhores latifundiários e de uma larga massa de camponeses, ao passo que o Classicismo se relaciona com uma burguesia educada no estudo da lógica, da matemática, da disciplina jurídica, habituada, portanto, ao raciocínio rigoroso e à claridade mental. Isso explicaria o sucesso do Classicismo na Itália e na França, enquanto o Barroco teve como centro de irradiação a Espanha, país ainda ligado a costumes feudais. Além dessas duas teorias sobre as origens do Barroco que, antes de serem excludentes, se complementam, pois o fator social condiciona o fator estético e o segundo, por sua vez, está em estreita relação com o primeiro, outras teses surgiram na tentativa de explicar melhor o complexo movimento. Eugênio D’Ors, na sua obra Lo Barroco, considera o movimento seiscentista como uma ‘‘constante histórica’’, retomando os mitos nietzschianos do eterno retorno e do antagonismo do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco. O Barroco seria um éon (uma categoria, uma realidade profunda), que se opõe maniqueisticamente e se alterna historicamente com outro éon, o do Classicismo. Assim ele fala de um barroco alexandrino, gótico, tridentino, romântico, pós-bélico. O éon barroco, através de suas incursões ao longo da cultura ocidental, adquire diferentes modalidades, mas não modifica sua substância. Sob as várias configurações que assumem, conforme as circunstâncias temporais e espaciais, quer o Classicismo (espírito da unidade, da clareza, da consciência ordenada), quer o Barroco (espírito da diversidade, do dinamismo libertário, da consciência fragmentada) mantêm inalterada a sua essencialidade. Outros estudiosos sustentam a tese de que o estilo barroco constitui uma qualidade permanente do caráter espanhol, etnicamente formado pelo cruzamento de três raças diferentes: a cristã, a moura e a judia. Na Espanha absolutista, o choque entre os dogmas tridentinos e as tendências estéticas e espirituais da Renascença é muito mais profundo. A Espanha nunca renegara a Idade Média e o homem barroco espanhol tornou-se, ao mesmo tempo, um saudoso da religiosidade medieval e um seduzido pelas solicitações terrenas e os valores do Humanismo (amor, dinheiro, luxo, ambição). A pátria de Santo Inácio de Loyola, o fundador dos jesuítas e o autor dos Exercícios espirituais, livro que ensejou uma onda de devoção e de misticismo, foi também a pátria da Contra-Reforma e do Tribunal da Inquisição, que disseminou o terror do Inferno na Europa e no além-mar. Não é por acaso que o Século de Ouro da cultura espanhola, a época mais excelsa do poder político, econômico e cultural da Espanha, deu-se sob o signo do Barroco. Na Literatura, as figuras mais preeminentes dessa época foram os autores espanhóis, que ditaram as normas estilísticas nos três principais gêneros: Góngora, na lírica; Cervantes, na narrativa; Lope de Vega, no drama.