PSIQUÊ (personagem mítica, Alma, Espírito, Psicanálise) → ErosFreud

"Haveria juízo em não amar?"

A bela fábula de "Amor e Psiquê" se encontra no romance do escritor afro-romano Apuleio "O Asno de Ouro", cujo título original é Metamorfoses, escrito no séc. II d.C. Trata-se de uma história encaixada na macrofábula do protagonista Lúcio, transformado em Burro. O relato sobre Psiquê, mais do que um mito, é um Conto popular, transmitido oralmente na bacia do Mediterrâneo e compilado por escrito posteriormente, de modo semelhante ao que fez Homero com os cantos épicos gregos e ao que farão, na época do Romantismo, Perrault e os irmãos Grimm, com relação à tradição do conto feérico na França e na Alemanha. Na verdade, a história de Psiquê é uma grande "alegoria", pois personagens e episódios são altamente simbólicos. A figura mítica de Psiquê, que em grego significa "alma" e cujo termo deu origem a uma série de cognatos (psíquico, psicológico, psiquiátrico, psicanalista, psicografia), está estritamente relacionada com Eros, filho de Vênus, deus da beleza e do amor. Narra o mito que, num tempo e num espaço indeterminado (portanto, sob o signo da eternidade), viveu uma jovem princesa tão bonita a ponto de despertar inveja e ciúme até na deusa Afrodite (nome latino de Vênus). Esta ordenou ao filho Cupido (nome latino de Eros) de flechar o coração de Psiquê para que se apaixonasse pelo homem mais desprezível do mundo. Mas Eros, ao ver a beleza irresistível da jovem princesa, foi ele a se sentir golpeado pelo amor: transgredindo a ordem materna e com a ajuda de Zéfiro, um doce vento, transportou Psiquê num palácio dourado e a fez sua mulher. Visitando-a sempre de noite, fazia-la felicíssima na cama, mas proibiu terminantemente que visse suas feições. Apesar de não conhecer o rosto do homem amado, ela se sentia feliz; mas as irmãs, sempre invejosas de sua beleza, insinuaram que seu amante devia ser um monstro horrível, induzindo-a a desvendar o mistério. De noite, com uma lâmpada a óleo, olhou o rosto do amado adormecido e, ao ver a beleza de Eros, tamanho foi o susto que deixou cair uma gota de óleo fervente no ombro divino. Ao despertar com a dor da queimadura, Eros recriminou Psiquê pela desobediência e ingratidão. Afirmando que "o amor não pode viver sem confiança", foi embora para não mais voltar. No mesmo instante, o palácio desapareceu e Psiquê se viu novamente amarrada ao rochedo onde Eros a encontrara a primeira vez. A jovem, sozinha e desolada, saiu errando pelo mundo, em busca do amor perdido, sempre perseguida pelo ódio de Vênus, que submeteu Psiquê a uma série de terríveis castigos. A bela princesa conseguiu superar todas as provações com a ajuda de elementos da natureza. Por fim, emocionado pelo arrependimento e sofrimento da amante, de quem nunca deixara de gostar, Eros pediu a Júpiter a permissão para desposar Psiquê. O pai dos deuses, o maior apreciador do amor entre os seres divinos e mortais, ordenou a Vênus que esquecesse o rancor que sentiu pela princesa, concedeu a imortalidade a Psiquê e permitiu que o casamento fosse celebrado no Olimpo, com a devida pomba. Da união de Eros e Psiquê nasceu uma filha, a deusa Volúpia.

A viagem mítica de Psiquê em busca da reconquista do amor perdido pelo pecado da "curiosidade", querendo conhecer a essência do amor, algo inexplicável por natureza, simboliza a viagem que cada um de nós faz procurando o seu amor. É a história do amadurecimento dos sentimentos que nos leva a conhecer mais profundamente outra pessoa. A paixão de Psiquê por Eros, dormindo com um ser masculino sem ao menos saber quem ele fosse, é traduzida pelo ditado popular que afirma que "o amor é cego": sentimos que estamos apaixonados, embora não conheçamos a verdadeira faceta da pessoa amada, pois, sem querer, acabamos idealizando o ser de quem gostamos, encaixando-o nos moldes dos nossos desejos. E quando, como Psiquê, descobrimos a verdadeira essência do ser amado, entramos em pânico, pois essa revelação, que na tragédia grega é chamada de anagnórisis, nos trás angústia e sofrimento, sendo difícil a compreensão mais profunda do ser com quem convivíamos. No mito de Psiquê, o descobrimento da verdade teve um final feliz, porque, após superar as penosas provas para pagar o pecado da desobediência, sua paixão (inconsciente) por Eros tornou-se amor profundo (consciente). Mas, evidentemente, há casos em que o conhecimento da verdadeira essência do outro põe fim a um relacionamento, pois não temos a maturidade, a coragem ou a paciência de aceitar as diferenças postas em evidência. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588–1679), na sua famosa obra Leviatã, ressaltou o eterno mistério da alma humana: "os pensamentos secretos de um homem estão acima de todas as coisas, o sagrado, o profano, o limpo, o obsceno, o grave, o leviano, sem vergonha ou culpa". De qualquer jeito, "haveria juízo em não amar?", é o que pergunta o personagem de um musical trágico composto a partir do mito de Psiquê.