PÚBLICO (o espectador de uma obra de arte) → Teatro
Do adjetivo latino publicus, público indica algo notório, de uso comum, pertencente a uma comunidade. Interessante é a forma feminina, "pública" que, qualificando o substantivo res (coisa), deu o substantivo República, a coisa pública, o governo de todos, do povo. O conceito de público como "de todos" vigora em sociedades civilizadas, onde a Cidadania (→ Cultura) é respeitada; ao passo que, em sociedades culturalmente atrasadas, a coisa pública é considerada como "de ninguém", podendo todo o mundo meter a mão. Como substantivo, "público" designa um conjunto de pessoas às quais é destinada uma mensagem artística, jornalística, publicitária, política, social etc. O conceito de público como receptor de uma obra de arte é mais evidente no gênero dramático. Ao lado do texto e do ator , o público é um dos três elementos fundamentais do teatro, talvez o mais importante, o único verdadeiramente indispensável. Com efeito, a rigor, podemos ter uma peça sem o texto escrito, como acontece na representação mímica ou na famosa "Commedia dell’arte" italiana, na qual os atores improvisam as falas, ou mesmo sem os atores, como se dá no teatro de marionetes; mas nunca poderíamos ter um teatro sem público. Na relação palco-platéia está o segredo do sucesso de uma peça. Os dois espaços estruturam-se um pelo outro: o espetáculo é feito para determinados espectadores, para uma comunidade posta numa situação ético-social precisa, e ele muda quando a platéia é diferente. O dramaturgo dirige-se ao público de sua época: ao cidadão das póleis grega que conhecia seus mitos (Sófocles, Eurípides, Aristófanes); à plebe barulhenta da Roma antiga (Plauto e Terêncio); aos nobres do Estado monárquico (Shakespeare, Corneille, Racine, Molière); ao pequeno burguês europeu do Romantismo para cá (Rostand, Ibsen, Pirandello, Brecht).
Mas as grandes obras dramáticas atendem também a um público virtual, de qualquer tempo e lugar, pois conseguem atingir o universal. Daí a perene modernidade das peças dos autores acima nomeados e de outros mestres da dramaturgia. A sempre renovada representação de autores considerados "clássicos" mostra que, embora o estágio histórico e social de determinadas obras dramáticas esteja superado, é sempre lícita a interrogação sobre a sociedade a que pertence o novo espectador: ao compreender o que os outros foram e não são mais, ele adquire a consciência do que ele é e do que poderia ser, da transitoriedade da sociedade em que vive. No dizer de Louis Althusser, "a peça é o devir, a produção de uma nova consciência no espectador, inacabada, como toda consciência, mas movida por esse mesmo inacabamento, essa distância conquistada, essa obra inesgotável da crítica em ato; a peça é sobretudo a produção de um novo espectador, esse autor que começa quando termina o espetáculo, e que não começa senão para acabá-lo, mas na própria vida". Althusser considera o espectador como um "irmão" das personagens, que não somente assiste mas também vive a peça, pois sua falsa consciência é posta em xeque e os mitos da ideologia em que vive são desmascarados. Diferentemente do espectador de cinema ou de televisão, o ser humano que assiste a uma peça de teatro se sente irmanado com as personagens, com os atores e com as pessoas sentadas nas poltronas ao lado. Diz Peacock: "Os momentos nos quais, pelo poder de um poeta que fala por muitos, uma platéia repentinamente se sente una, quando ela deixa de ser um aglomerado de indivíduos e de apetites independentes para tornar-se simplesmente uma humanidade envolvida por uma visão humana, aí está a conquista social peculiar dessa arte. Forma alguma alcança tal grau de poder comunitário, à exceção das cerimônias religiosas. Por essa razão, sem dúvida, caminharam tantas vezes juntos o drama e a religião, e ainda o fazem".
Especialmente no teatro clássico da Grécia antiga, da Inglaterra elisabetana ou da França da época de Molière, os atores dirigiam-se diretamente ao auditório, através do coro, dos solilóquios e dos apartes, estabelecendo com o público uma certa cumplicidade. A concepção estética dessas épocas não separava a arte da vida, a peça estava inserida dentro de uma realidade vivida pelo público e representada ao ar livre com a participação de grandes massas populares. Somente mais tarde, a partir do século XVI, com o surgimento da chamada "cena italiana", o espaço fechado, o teatro começa a utilizar o cenário coberto, os fundos cênicos, a iluminação artificial. Deu-se, então, a separação entre o palco e a platéia: os espectadores já não recebiam mais a atenção direta dos atores que só falavam entre si, num espaço separado, na moldura do palco. Com o advento do teatro da Ópera, a cena italiana colocou os músicos no fosso da orquestra, entre o palco e a platéia. Criou-se, assim, a chamada "quarta parede" do teatro ilusionista: os atores se esforçam para fazer crer ao auditório que as personagens representadas são eles próprios e que a história vivida não é ficção, mas um acontecimento real.
A verdade é que, com o surgimento de novas modalidades de entretenimento para a grande massa popular, o teatro passa a ser cultivado por um público menor, mais selecionado. Enquanto nas póleis helênicas a atividade dramática constituía a principal fonte de cultura e de recreio para o povo, que se deleitava em assistir à encenação de seus mitos, passando dias inteiros no espaço destinado à representação, já o povo romano preferia o circo ao teatro, pois a luta entre gladiadores ou entre cristãos e feras lhes proporcionava emoções bem mais fortes. Na Idade Média (→ Medievalismo), o teatro voltou a ser o principal meio de entretenimento: retornando às suas origens religiosas, servia para ilustrar e explicar dogmas de fé e representar a vida de Cristo, da Virgem Maria, de santos e mártires, como modelos de vida a serem imitados. Também em outras épocas da cultura ocidental, embora com funções diferentes, a atividade teatral sempre foi o principal meio de difusão de cultura e de diversão para a grande massa popular. Apenas na atualidade, com o surgimento do rádio, do cinema, da televisão, do videocassete, computador e internet, da indústria de jornais, revistas e livros, as opções de entretenimento se diversificaram. Mas se a platéia teatral perdeu em quantidade, ganhou em qualidade: quem vai ao teatro hoje não tem de agüentar mais uma turba barulhenta, pronta a dar vazão aos instintos da risada e do choro de uma forma desbragada; vai encontrar gente culta, apreciadora da estética da representação e consciente de que toda peça encerra uma parcela de sentido da vida.