SATÍRICON (do escritor romano Petrônio) → Romance → Ironia
"É preferível um amante vivo a um marido morto"
(A Matrona de Éfeso)
Satiricon é o título de uma narrativa atribuída ao escritor latino Petrônio. O étimo está ligado à palavra romana "satura" (saturado, cheio, mistura, jogoso), que deu origem ao gênero satírico. Deste romance restam apenas fragmentos dos livros XV e XVI, pois a maior parte da obra se perdeu. A narrativa petroniana, na sua totalidade, devia ser uma espécie de romance cíclico, em que se representava a vida das cidades helenizadas da Itália meridional do séc. I d.C. Além do estado fragmentário, o Satiricon apresenta também o problema da incerteza de seu autor. A opinião mais comum atribui a obra a um Petrônio Árbitro, tradicionalmente identificado com o Petrônio elegantiae arbiter da corte do imperador Nero, de quem fala o historiador Tácito, em seus Annales. A fábula do romance está centrada sobre as aventuras de Encólpio, um jovem sem família e sem profissão, que acumula as funções de narrador e de protagonista. No inicio dos fragmentos, encontramos Encólpio numa indefinida cidade da Magna Grécia, em companhia do amigo Ascilto e do belo escravo Gitão. Os dois brigam pela posse amorosa do rapaz. Quartila, sacerdotisa do deus Priapo, na companhia de duas moças, obriga os três jovens a satisfazerem seus desejos lúbricos. Encólpio, Ascilto e Gitão conseguem escapar das garras de Quartila e chegam à residência de Trimalcião, um riquíssimo liberto. Participam da longa e famosa "Ceia", em que o anfitrião conta como conseguiu ficar rico e dá mostras das suas extravagantes vulgaridades. Novamente na hospedaria, onde geralmente se abrigam, Ascilto rouba Gitão da cama de Encólpio. O poeta Eumolpo tenta consolar o protagonista pela perda de Gitão, narrando-lhe fatos de sua vida e recitando-lhe poemas. Gitão, arrependido, volta para os braços de Encólpio. Para escapar da ira de Ascilto, os dois, junto com o poeta Eumolpo, embarcam num navio. Mas o dono do barco reconhece Encólpio e o castiga por traições e roubos anteriores. Eumolpo consegue o perdão e, para alegrar a tripulação, conta a história da "Matrona de Éfeso". Trata-se de uma microfábula, incrustada no contexto da narrativa de Encólpio:
"Havia em Éfeso uma senhora admirada por todos, pois era considerada a única esposa fiel da cidade. Após a morte de seu marido, ela se fechou no túmulo, junto com o defunto, decidida a morrer por inédia. Um soldado de guarda aos corpos de bandidos crucificados aproximou-se do túmulo e convenceu a virtuosa viúva a alimentar-se e a ter relações sexuais com ele. Entretanto, parentes de um crucificado despregaram o corpo da cruz e o levaram embora para dar-lhe sepultura. O soldado, sentindo-se culpado pelo descuido, desesperou-se prevendo o castigo. Mas a bondosa viúva, preferindo um amante vivo a um marido morto, ordenou que o corpo do defunto esposo fosse colocado na cruz vazia, ocultando, assim, a culpa do miliciano".
Após a narração desta hilariante aventura, uma tempestade faz naufragar o navio e os três amigos arribam à praia de Cróton, próspera cidade do sul da Itália. O poeta Eumolpo, para sobreviver juntamente com seus amigos, engana os crotonenses, prometendo-lhes uma fabulosa herança. O protagonista Encólpio perde a virilidade sendo vítima da vingança do deus do sexo Priapo e, para recuperar o vigor masculino, submete-se à prática da magia. Os habitantes de Cróton, descoberta a sacanagem, ameaçam o poeta e seus amigos. Eumolpo, então, revela que só poderão receber a herança os que estiverem dispostos a alimentar-se do seu corpo. Neste ponto, acabam os fragmentos do Satiricon. Esta obra, junto com as Metamorfoses ("O Asno de Ouro") de Apuleio, é um exemplo da ficção satírica em prosa, que se desenvolveu na época imperial da cultura latina (→ Roma), dando origem ao romance "picaresco".