O Jaboti e a Piúva

Brigaram certa vez o jaboti e a piúva.

— Deixa estar! disse esta furiosa. Deixa estar que te curo, meu malandro! Prego-te uma peça das boas, verás...

E ficou de sobreaviso, com os olhos no astucioso bichinho que lá se ria dela sacudindo os ombros.

O tempo foi correndo; o jaboti esqueceu-se do caso; e um belo dia, distraidamente, passou ao alcance da piúva.

A arvore incontinenti torceu-se, estalou e caiu em cima dele.

— Toma! Quero ver agora como te arrumas. Estás entalado e, como sabes, sou pau que duro cem anos...

O jaboti não se deu por vencido. Encorujou-se dentro da casca, cerrou os olhos como para dormir e disse filosoficamente:

— Pois como eu duro mais de cem, esperarei que apodreças...

A paciencia dá conta dos maiores obstaculos.

— Essa fabula está com cara de ser sua, vóvó, disse Pedrinho. Eu conheço o seu estilo.

— E é, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por que? Porque me lembrei daquela piúva caida lá no pasto e dum jaboti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da piúva e sei quanto vive um jaboti — e a fabula formou-se em minha cabeça. E todas as fabulas foram vindo assim. Uma associação de ideias sugere as historinhas.

— Associação de idéias é isso?

— Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. E’ o que os sabios chamam associação de ideias.



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.