O Gato Vaidoso
Moravam na mesma casa dois gatos iguaisinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro por feliz se dava com as espinhas de peixe do lixo.
Certa vez cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:
— Passa de largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa de largo...
— Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te que somos irmãos, criados no mesmo ninho.
— Sou nobre! Sou mais que tu!
— Em que? Não mias como eu?
— Mio.
— Não tens rabo como eu?
— Tenho.
— Não caças ratos como eu?
— Caço.
— Não comes rato como eu?
— Como.
— Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois, a crista desse orgulho idiota e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens — o que tens é apenas um bocado mais de sorte...
passa de um bocado mais de sorte na vida!
— Acho que todos os homens importantes são assim, disse Pedrinho. O que eles tem é sorte. Os tais nobres! “Passo”. Os tais duques, os tais reis, os tais principes.
— Mas ha uma nobreza, disse dona Benta, que não depende da sorte e sim do esforço. Essa é respeitavel. Madame Curie ficou importante por ter descoberto o radium. Foi sorte? Não. Levou anos estudando, fazendo experiencias, e tanto lidou que descobriu a maravilhosa substancia. Creaturas assim podem orgulhar-se de ser mais que os outros.
— Mas não se orgulham, vóvó! disse Narizinho. Já notei que as pessoas verdadeiramente importantes são modestas — como o Conselheiro ou o visconde. Mas ha umas tais pulguinhas humanas que só por terem caido em graça se julgam engraçadissimas...
Emilia botou-lhe a lingua. “Ahn!”
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.