Pau de Dois Bicos
Um morcego estonteado pousou certa vez no ninho da coruja, e ali ficaria de dentro se a coruja ao regressar não investisse contra ele.
— Miseravel bicho! Pois atreves a entrar em minha casa, sabendo que odeio a familia dos ratos?
— Achas então que sou rato? respondeu o intruso. Não tenho asas e não vôo como tu? Rato, eu? E’ boa!...
A coruja não sabia discutir e, vencida de tais razões, poupou-lhe a pele.
Dias depois o finorio morcego planta-se no casebre do gato-do-mato. O gato entra, dá com ele e chia de colera.
— Miseravel bicho! Pois tens o topete de invadir minha toca, sabendo que detesto as aves?
— E quem te disse que sou ave? retruca o cinico. Sou muito bom bicho de pêlo, como tu, não vês?
— Mas vôas!...
— Vôo de mentira, por fingimento...
— Mas tem asas!
— Asas? Que tolice! O que faz a asa são as penas e quem já viu penas em morcego? Sou animal de pêlo, dos legitimos, e inimigo das aves como tu. Ave, eu? E’ boa...
O gato embasbacou, e o morcego conseguiu retirar-se dali são e salvo.
o branco!
— Sim, senhor! exclamou Emilia. Nunca imaginei que os morcegos fossem tão espertos. Esse vence até as raposas. Enganou a coruja e enganou o gato.
— Mas não enganou o fabulista, disse dona Benta. La Fontaine ouviu a conversa e fez a fabula, para pôr em relevo a duplicidade dos que não são uma coisa certa e sim o que convem no momento.
— Emilia, que é tão amiga da esperteza, devia casar-se com esse morcego, lembrou Narizinho — mas Emilia murmurou: “Passo”.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.