Adoecera o lobo e, não podendo caçar, curtia na cama de palha a maior fome da sua vida. Foi quando lhe appareceu a raposa, a visital-o.
— Bem vinda sejas, comadre! E' o céo que te manda aqui. Estou morrendo de fome e se não me soccorres nesta apertura, adeus lobo!...

— Pois espera ahi que já te arranjo uma rica petisqueira, respondeu a raposa, com uma idéa na cabeça.
Fechou a porta sobre si e tocou para a montanha onde costumavam pastar as ovelhas.
Encontrou logo uma, desgarrada.
— Viva, anjinho ! Que faz por aqui, tão inquieta? Está a tremer...
— E' que me perdi e tremo com medo do lobo.
— Medo ao lobo? Que bobagem é essa? Pois ignora você que o lobo já fez as pazes com o rebanho?
— Que me diz?
— A verdade, filha. Venho de casa delle, onde conversamos longamente. O pobre lobo está na agonia e muito arrependido da guerra que moveu ás ovelhas. Pediu-me que dissesse isto a vocês e as levasse lá, todas, afim de sellarem o pacto da reconciliação.
A ovelhinha ingenua pulou de alegria. Que sossego dali por deante, para ella e as demais companheiras! Que bom viver assim, sem o terror do lobo no coração!
E, enternecida, disse:
— Pois vou eu mesma sellar o accôrdo feliz.
Partiram. A raposa, á frente, condul-a á toca da féra.
Entram. A ovelhinha, ao dar com o lobo estirado no catre, por um triz que não desmaia de medo.
— Vamos, disse a raposa, beije a pata do magnanimo senhor! Abrace-o, menina !
A innocente, vencendo o horror, dirige-se para elle e abraça-o. Neste momento o monstro ferra-lhe o dente, mata-a e come-a.
Muito padecem os bons que julgam os outros por si.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

