[Fl. 39-r.][C]omta-sse que hũa porca era prenhe e esperaua o tempo do parto, [e emcomtrou][1] com hũu lobo; e o lobo lhe mamdou em [ss]eu gesto muytas mesuras e cortesia, e disse-lhe que queria sse[er sseu c]ompadre e guardar sseus filhos quando parisse; e ha[2] lhe deu muytas graças, dizemdo-lhe que lhe nom compria sseu seruiço, mays[3] disse-lhe:
— Guarda te bem que te nom chegues aos meus [filhos], ca eu nom queria que so[4] espeçia de bem fazer tu fezesses mall aos meus filhos!
O lobo, ouuindo taees palauras, emtendeo que a porca emtendia o mall que ell queria fazer, e partio-sse d’ella ssem comtemda.
Per este emxemplo o poeta nos amoesta que nom deuemos creer em quamtas palauras nos dizem, porque nos homẽes rreignam muytas maldades e emguanos, e muytas pala[ur]as sse dizem mais por emguanarem os ho[m]ẽes que p[or] outra cousa. E porem sse diz: «Quem neyçiamente cree, neyçio he chamado e neyçiamente[5] péca».
Notas
editar- ↑ Nos sitios em que ponho colchetes o papel está delido ou roto.
- ↑ = a (artigo).
- ↑ mays vale pela moderna conjuncção «mas»; se fosse adverbio, a construcção do resto da phrase seria lhe disse.
- ↑ Tambem se póde ler su em vez de so.
- ↑ A palavra neyçiamente está um tanto difficil de se lêr, mas é certa. Cfr. a sentença hespanhola «Quien neciamente peca, neciamente se va al Infierno» em Hernán Nuñez, Refranes o proverbios, Lérida 1621, fl. 105-r., a qual confirma absolutamente a leitura que proponho.