O Livro de Esopo/O lobo e a cabeça de homem morto

XX. [O lobo e a cabeça de homem morto]

[P]om este poeta emxemplo e diz que hũu lobo amdando sseu caminho achou hũa cabeça de[1] homem morto; e este lobo compeçou-a a rroueluer com os pees. Falando dizia:

— Á boca ssem voz! á cabeça ssem emtendimento[2]! E vejo bem que quando /[Fl. 14-v]. desfaleçe a alma fremosa e preçiosa, loguo o corpo perde ssua virtude e fremusura, pero que a fremusura da alma he aquella que afremosenta o corpo: e como a alma desfaleçe, o corpo sse torna no elamento da terra de que foy criado.




Per este emxemplo este doutor nos amostra que as cousas d’este mundo nom ssom estauees, e os homẽes que em este mundo poem ssua speramça ficam emganados, ca a uyda d’este mundo nom he durauyll[3], porque oje ssomos viuos e cras mortos: ssolamente a alma do homem he aquella que he durauyll[4], porque nom póde morrer, ca he fecta[5] aa ssimildom de Deus[6]. E a alma he aquella que afremosenta o corpo; e quando sse parte, fica o corpo terra. Assy como he a alma rracionauyl[7] que rreigna no homem, assy he da alma vegetatiua que rreigna nas eruas e nas aruores, que tamto estam em ssua froll quanto tem a alma em ssy; e depojs que perdem a alma, ficam nada e tornam-sse em terra.

  1. No ms. do (i. é d'<o>homẽ).
  2. á=«ah!».
  3. No ms. duraũll. Vid. fab. II, nota 1.
  4. No ms. duraũll. Vid. fab. II, nota 1.
  5. No ms. fcta ou feca, com til por cima.
  6. No ms. Ds. com o s prolongado em fórma de curva; mas Deus por extenso na fab. XI.
  7. No ms. rracionaũl. Vid. porém fab. II, nota 1.