[Fl. 13-v.][P]om este poeta doutor emxemplo, e diz que hũa rraposa convidou a çegonha que jamtasse com ella; e a çegonha rreçebeo o comvite. E quando forõ asseentados na mesa, a rraposa meteo a vianda em hũu vaxelo muy larguo: e este comer era muy augaçemto, e a çegonha o nom podia tomar co’o bico, porque o tem longuo, e a rraposa lanbia todo com a linguoa, e por fazer escarnho convidaua a çegonha que comese, e a çegonha avia gram pesar, porque avia fame, e auia vergonça, porque scarneçiam d’ella. Depois que acabarom sseu jantar, a çegonha fingio que nom emtendia o escarnho que lhe fezera a rraposa, mays deu-lhe muytas graças do jamtar que lhe dera.
D’aly a poucos dias ha çegonha comvidou a rraposa pera jantar com ella, e aa rraposa prouue muyto. E quando forom asseentados na mesa, a çegonha pos a viamda em hũa gramde rredoma. A çegonha meteo o bico e o collo demtro, e comia e dizia aa rraposa:
— Amigua, comede[1]. Vedes que nobre viamda esta he!
A rraposa queria meter a cabeça demtro e nom podia e andaua lambendo d’arredor; e lanbemdo nom lhe prestaua nada e tomaua gram nojo. E partio-sse com vergonça.
[Fl. 14-r.]Per este emxemplo este doutor nos amoesta que os homẽes nom deuem a fazer a outrem o que elles nom queriam que a elles fezessem, mays deuem-sse trabalhar de fazer seruiço e prazer a toda jemte, assy aos estranhos como aos amigos, ca muytas vezes de pequeno seruiço rreçebe o homem boo gualardom. E pero diz hũu emxemplo:
A todo homem servirás;
A quem errares, d’ell te guardarás[2].