VIII. [O lobo e a grua]

[Fl. 6-r.][C]omta-sse que hũa vez hũu lobo avia[1] gramde fame, e achou carniça que auia muytos ossos. E comendo com gramde pressa da dicta carniça, atreuessou-se-lhe hũu osso na guarguamta, pella quall rrazom o llobo estaua em pomto de morte; e amdaua buscamdo phisico que lhe tirasse o osso, e achou a grua e rrogou-lhe aficadamente que lhe tirasse o dicto osso, prometemdo-lhe que, sse ho désse ssaão, que lhe faria muyto alguo.

E a grua, ouvimdo sseu prometimento, prometeo de lhe dar ssaude e disse:

— Abre a boca.

E o llobo abrio a boca, e a grua lhe tirou o osso que trazia na guargamta trauessado. Depois a grua lhe rrogou que lhe désse o que lhe prometera: e ho /[Fl. 6-v.][2] lobo lhe disse:

— Eu fize a ty mayor graça que tu fezeste a mym, porque eu dey a vida a ty, ca eu te podera talhar ho collo na minha boca, e nom te quys matar: sseja descomtamento do seruiço que tu me fezeste.

E per esta guysa ficou emguanada a grua.




Per esta hestoria ho douctor nos demostra que nós nom deuemos d’ajudar os maaos[3] homẽs[4], porque os maaos nom agradeçem nem ssom conhoçemtes do bom seruiço que lhe outrem faz, mais muytas vezes dam maao grado a quem lhe faz bom seruiço. No emxemplo[5] diz que ha[6] emgratidõoe sséca a fomte da piedade.

  1. Assim se lê no ms. por auia. Ha outras irregularidades semelhantes.
  2. Na 1.ª linha da fl. 6 v. repete-se: e o.
  3. No ms. mãaos.
  4. No ms. homẽs por homẽes. A palavra está em fim de linha.
  5. No ms. exº (por ẽxº), perto do fim da linha
  6. =a (artigo)